
Era 2010 e no instante destas fotos, a Fernanda Montenegro recebia os aplausos pelo seu monólogo “Viver Sem Tempos Mortos”, uma peça inesquecível a partir de cartas da grande e sensível pensadora feminista Simone de Beauvoir e foi aqui no Teatro Oscarito do CEU Casa Blanca, ao lado aqui de casa, local no qual eu conheci as linguagens do Teatro e da Dança Contemporânea! . Eu jamais conseguirei descrever a emoção de testemunhar os 450 lugares da plateia lotados, com gente de todo o tipo trocando com a atriz, e não somente os pouquíssimos que se destacam da massa e tem o hábito real de ir ao teatro! Como fotógrafo, além de ator, eu tenho a sorte de estar munido com minhas armas, a câmera e minha sensibilidade para registrar alguns momentos épicos como este! . Foi no mínimo inspirador fazer parte da plateia, mesmo percebendo-os inicialmente mais afetados pelo fato de encontrar uma atriz de TV, como me parece ser o Brasil até hoje, do que pelo grande evento milenar do teatro, mas sinto também que certos ofícios sagrados se fundem aos seus representantes! O público não piscava os olhos, se abriam para receber a obra, seduzidos pela experiência e simplicidade-sofisticada da atriz veterana! No palco imenso, sentada numa cadeira durante mais de uma hora, sob uma iluminação cênica singela, sem fumaças ou efeitos, sem eixos físicos e vocais que costumam impressionar pela grande habilidade que demandam do ator, ocupou todo o espaço e criou todos os universos “no ar” que nos separava ou unia, um texto impecável, passando por Paris, pelas questões existenciais, sociais que a mulher, intelectual e teórica social francesa, grande e libertária Simone se afetou e registrou, questionou, transcendeu mesmo numa época tão restritiva!
É uma honra ter como ícone da nossa profissão um ser humano e profissional como a Fernanda! Semana passada, 16/10/19, fez 90 anos de idade, cheia de histórias, de bem com a vida, com trabalhos memoráveis em seus mais de 70 anos de carreira, tem muitos motivos para comemorar! Recebeu várias homenagens pelas redes sociais, revistas e em programas de TV.

O ofício do Ator, o Tempo, a Vida e os Afetos
Em um destes programas ela comentou sobre o ofício da atuação:
"Numa profissão como a nossa, que não é prioritária - dizem que não é. Mas é prioritária sim, senão a gente não existiria desde o início desta humanidade. Não é um médico, um faxineiro, um advogado, uma professora, mas então por que existimos? Porque há uma necessidade da gente se encontrar e se trocar. A arte da representação, acho que permite isso."
Deixo aqui um trecho que eu mais amei do monólogo que assisti, desde a primeira fileira e no qual fiz estas fotos com uma discreta semi profissional da Sony:
"A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada numa idade já não mais tão jovem. Sinto o tempo como irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escravo dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Estou tentando fazê-lo. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos."
Trecho adaptado da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na correspondência de Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre.
Sim eu guardei o programa da peça! 😯


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