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O que valida a tua arte?


O que valida tua arte?

Antes de começarmos a pensar neste tal “Crivo Ditador”, convém passarmos por algumas questões precedentes. Seria mesmo preciso "validar" uma arte e um artista? Quantos artistas somente tiveram sua “genialidade” e valorização ($) reconhecidas anos após a sua morte? Por que precisamos tanto distinguir e classificar a arte ou até que ponto? Mas, se a tal validação convier, que efeito teria a “consciência deste crivo” sobre a liberdade de expressão e sobre a essência subversiva e criativa que os grandes nomes da arte costumam ter em comum? A quais padrões isso conduziria, com mão firme e ameaças de fracasso ou garantia de sucesso? Que efeito poderia ter sobre as obras que então precisassem do tal selo para ganhar, em fim, a existência? Ou melhor, quem seriam esses Responsáveis pelo estabelecimento deste crivo, tão sensíveis às mudanças de um fazer que costuma acompanhar transformações que contextualizam a obra e à alma tão contraditória e complexa dos seres humanos? E quem seriam os Responsáveis pela eleição destes cargos tão determinantes? Visto que a arte é um reflexo inquestionável da existência e trajetória do seu criador, será que estabelecer um crivo sobre a arte também não seria equivalente a indiretamente submeter Pessoas ao mesmo critério? O que valida a minha ou a tua existência? Precisamos convencer a quem que merecemos estar aqui como estamos ou como podemos estar? Seria a quantidade de público que te segue e indica o teu grau de influência? Indica mesmo um "grau de influência"? O “grau de influência” constituiria então uma parte forte do tal critério para determinar a validação de uma Pessoa ou a sua dignidade de receber investimentos, menção ou relevância? Um legado para a humanidade? Será que os autores de obras que são consideradas como sendo um legado, já foram concebidas com tal ambição? Seriam os prêmios que se colecionam na estante, o dinheiro e bens que se aglomera-ou-não a cada ano como “resultados”, em fim, o que te valida alguem ou a sua arte? Longe de uma resposta que resolva tudo isso, o que desejo com estas perguntas é a reflexão, o movimento...

Parece que nunca falamos tanto sobre diversidade e sobre o nosso aparentemente contraditório direito de igualdade... Pois talvez nossa mais gritante semelhança, além de sangrar e sorrir igual em qualquer país, seja a semelhança de sermos justamente tão diferentes! Parecemo-nos em cada diferença! Um infinito potencial de acharmos inúmeras soluções para um mesmo problema. Cada um organiza de um jeito, alguns jeitos viram tendência ou imposições... É possível um encontro em cada esquina, em cada sentimento e emoção, em cada conflito, dúvida, mas só você é assim como você é! Por mais que te comparem aos pais, primos e nativos do mesmo lugar, você é único! Ninguém nunca existiu exatamente como você, no entanto, podemos nos identificar com as dores e alegrias do Rei Davi nos Salmos, com a simplicidade atemporal das lendas e mitos mais antigos e com as multicamadas dos textos de Shakespeare!

O simples movimento de julgar alguém ou uma obra, talvez nos prive cada vez mais de um importante bem da existência humana: a empatia (Comumente significada como “a capacidade de colocar-se no lugar do outro”. Mas no Grego, EMPATHEIA, “paixão, estado de emoção”, formado por EN-, “em”, mais PATHOS, “emoção, sentimento”. A ideia é estar “dentro” do sentimento ou emoção alheia, não apenas no “lugar” dele). Julgar é uma ação que rapidamente nos exclui da história, para ver de fora e não de dentro (“en”), e são raros os casos nos quais o “julgamento” exala a dança viva de ver de dentro e ver de fora... A necessidade de se posicionar frente a algo, quer se tenha ou não razoável conhecimento de causa, muitas vezes parece ser usado como uma justificativa ou autoafirmação de quem julga, ao invés de uma busca de compreensão e evolução por meio da reafirmação das relações e complexidades da tão aclamada diversidade e miscigenação que ironicamente nos caracteriza. Analisar o outro apenas sob o prisma da própria trajetória é o caminho mais comum e, se não for com a crença de detentor da verdade absoluta, se o ponto de vista for compartilhado, pode enriquecer a ambos os pontos de vista, no entanto, deixa de lado o tipo de trajeto que exige mais esforço e tempo, porém, ainda mais rico e profundo, de descobrir como foi o “caminho ou a lógica” do outro até este resultado! Talvez as nossas escolhas nunca seriam iguais as analisadas. É provável que a “empatia” nos conduza a uma das maiores potências que a obra de arte tem a nos oferecer: O mergulho! Pois parece que a simples reprovação, o “não gostei” ou a simples admiração da habilidade ou do dom alheio, embora sejam reações naturais, tem muito pouco a oferecer em longo prazo além do status conferido e carimbado: o demérito, o incentivo à reprodução sem a digestão, em alguns casos, até à tão humana e estigmatizada inveja... Por exemplo, “Ele é bonito”, “Ela sabe ou consegue isso” e daí? O que vem depois ou veio antes? O prazer e a descoberta, às vezes sublime, às vezes chocante, de experimentar o que outro viu e sentiu “de dentro”, após um certo tempo, nos galga um material “concreto”, do qual também somos co-autores com o artista, este “material” deve entrar em ação e reações conosco, mexendo com nossa consciência em torno da própria existência, vida, escolhas e possibilidades, quem sabe até aponte algum(s) sentido(s) aos encontros e no que deixamos a cada segundo de existência sob o som do inexorável tempo...

No entanto, nossa época é marcada por técnicas de publicidade e marketing que “prostituíram” (prostitutas que me perdoem, mas não achei outra palavra) a psicologia e, muitas vezes, até a própria arte, sob o pretexto de vender sempre mais (produto ou ideia), viciando as massas em determinados "produtos artísticos" e abortando com o seu "consentimento velado" a autonomia do público e do artista, estabelecendo um diálogo vertical, cada vez mais martelado e direto com o subconsciente alheio, para induzir às ações que tragam lucro ao emissor, manipulando as emoções e impulsos do outro rumo às compras (o poder de resposta deste público é unicamente resumida em compra ou "não compra"). Viciando-os à busca da felicidade da vida “anestesiada” e insensível, cujas carências e isolamentos somente pode ser solucionadas com mais compras ou redes sociais que, muitas vezes, acusadas de terem o pretexto oculto das vendas e mapeamentos de públicos, devem “reaproximar-nos” um do outro ou pelo menos reaproximar daquilo que o outro tenta nos convencer que ele é sob os “crivos” que acredita validar sua existência e relevância social, óbvio que o outro não passará imune a estes critérios também...

Não é nenhum absurdo que os artistas talvez apreendam, por osmose, dos editais que escrevem cotidianamente, concursos, buscas de patrocínio e outros, (a fim de viabilizar a concretização dos seus projetos) que precisam provar e convencer os tais detentores dos “crivos”, o quão relevantes são, quão mobilizadores ou influentes são! É redundante dizer que a cada série de contemplados ou vencedores, uma quantidade muito maior é deixada a esmo com um desafio, além da resistência diária das instabilidades do artista, conviver com os coletivos, cumulativos e "indiretos" selos de reprovação. Você já deve ter ouvido dizerem inúmeras vezes que os artistas lidam com a rejeição muito mais do que qualquer outra profissão. O fato de esta crise acompanhar a história da arte e da maior parte dos artistas, não significa que não seja digna de reflexão até hoje... O que valida tua arte? Sua passagem pela academia ou o prestígio da técnica que você usa? O nome de quem você já pôde trabalhar junto? Tua insistência? A sorte? Deveriam ser estes primeiros, meios possíveis para potencializar sua obra ou a própria justificativa e validação da sua criação?

Certa vez, acho que em 2013, recebi um convite inusitado, dentro da Galeria Olido, para assistir a um espetáculo num local bem estranho, ali mesmo no Centro, uma espécie de cinema antigo, era um espetáculo bem no estilo Brecht, discutindo a arte e o artista num futuro sombrio, superlotado de ideias, conceitos e obras, no qual somente 5 obras de arte deveriam ser escolhidas para não serem destruídas e seriam julgadas pelo tal concílio ali em cena – (Peça “Concílio da Destruição” - Cia. Les Commediens Tropicales, li que o trabalho surgiu do curso de Artes Cênicas da Unicamp, flertava com dança, música e videoarte, a trilha sonora era criada e recriada ao vivo a cada espetáculo). A peça colocava, em certo momento, a obra de arte como um “Filho” do artista. Gosto tanto desta analogia que, sob o meu ponto de vista particular, reflete claramente, dentre outras coisas, a dificuldade de “precificar” um trabalho artístico, por exemplo, por mais que talvez seja possível, calcular os gastos que se tem com um filho, nada pode se comparar ao real valor da sua existência! Por mais que os pais detenham as escolhas quanto ao tipo de educação e estilo de vida que este filho terá, jamais pode determinar, de fato, a pessoa que ele se tornará, pois receberá também influências diretas e indiretas do lugar, das pessoas e da cultura a qual tem contato... Nada pode determinar o quanto nosso filho será amado ou rejeitado pelo mundo, mas a “nossa verdade genuína” e a “vida” que lhe foi doada por amor, sempre germinarão dentro dele enquanto seguir o seu próprio caminho com ou sem a nossa presença...

"Acredito que apenas importa aquilo que possui quantidade de vida e o que se põe de seu próprio sangue e alma; seja na menor listra ou no menor ponto. Hokusai¹ dizia que queria ver vibrar o menor ponto de seus desenhos, E tudo o que não tem esta vida é nulo." Essa declaração de Miró, feita em 1928, reflete um pensamento ainda vigente em seu trabalho muitos anos depois. Estas pinturas (Pintura I e Pintura III, ambas de 1965) são exemplos disso. A sobriedade é patente, ainda que os elementos essenciais da linguagem pictórica (ponto, linha, mancha) concordem, num equilíbrio delicado em que a sutileza de nuance é combinada com o equilíbrio na disposição dos componentes. (Trecho descritivo das obras na Exposição Joan Miró A Força da Matéria 08/2015)

NOTA: Katsushika Hokusai foi um artista japonês, pintor de estilo ukiyo-e e gravurista do período Edo. Em sua época, era um dos principais especialistas em pintura chinesa do Japão. (Wikipédia)

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