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No palco não há imunidade. A plateia, o título MÃE e o Teatro de Arena por Eliane Diniz


Espetáculo MÃE, Roni Diniz, no Teatro de Arena, foto da Naava Bassi

Como a plateia reagiu ao espetáculo? Um(a) ator/atriz está sempre com o frio na barriga, pois o inesperado está sempre rondando a espreita; uma cena que pode não sair como o planejado, um “branco” no texto, uma luz ou som que não entrou no momento exato, são coisas pra se lidar no momento ocorrido, por essas e outras se diz do teatro como a arte da presença. O aqui e agora. A integridade do ator em cena vai determinando o envolvimento dele com a obra e com o público.

Aliás, o público é a maior incógnita na questão da imprevisibilidade. Reações podem ser tais, e de proporções inesperadas, beirando o risco de “perder a mão” do espetáculo. Mas, há de se estar preparado! Será?

Fui pega por um desses momentos de imprevisibilidade da plateia. Emoção tal de um choro convulsivo, o Espetáculo MÃE tem as ferramentas para tocar e emocionar, ou mesmo liberar lágrimas de quem se deixar envolver e penetrar. E ao refletir sobre o envolvimento da plateia lembrei-me das palavras de Eleonora Fabião* quando discorre sobre a força da presença cênica:

"No palco não há imunidade. O olhar é palpação, o movimento ação, e ser, relação. Ação ecoa, voz preenche; o corpo sempre interage com algo, mesmo que seja o vazio. Ou, ainda, no palco, vazio não há, pois que se tira tudo e resta latência [...] E você imerso nesse campo de forças, nesse sistema nervoso, nessa massa de rastros passados e futuros, presenças passadas e futuras. E você experimentando a textura desse vazio-pleno, incorporando e esculpindo essa latência [...] O teu corpo, esse palco. O corpo, esse palco fluido" (FABIÃO, 2010).

PS.: reflexão minha sobre a reação de uma espectadora na plateia, por ocasião de momento ímpar de envolvimento, proposto pelo ator Roni Diniz, durante o espetáculo na quarta-feira 13/02/19.

*Eleonora Fabião é Doutora em Estudos da Performance pela New York University, Docente do Curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro/Escola de Comunicação.

POR QUE O TÍTULO “MÃE”?

Essa foi uma das primeiras perguntas na roda de conversa do ator Roni Diniz com a Turma 38 do Curso Técnico de Ator no Senac Santana - Téc. em Arte Dramática na segunda 18/02/19.

“MÃE” pode ser a priori, e comumente é, relacionada à figura da mulher genitora, ou seja, um “ser” (por que aqui incluirei os animais não humanos também) que possui órgãos reprodutores femininos (fêmeas), e por isso, gerou outro ser da mesma espécie, e ATENÇÃO, “gerou”, porque se ainda não gerou, mesmo tendo os aparatos fisiológicos necessários para a gestação, ainda não é mãe. Correto?

Porém, o Espetáculo MÃE extrapola essa concepção meramente biológica e adentra o universo dos arquétipos* para permear os significados ancestrais impregnados na figura da “mãe”, trazendo o nível arquetípico dela, que para além da concepção biológica expressada acima, vai por um caminho mais profundo e não tão linear assim. O princípio feminino, relacionado à energia Yin*, existe em todas as pessoas, independente de serem mães ou não, é a força (ou energia) de criação e/ou de criatividade; é capaz de gerar e por isso comumente relacionada à fertilidade; capaz de acolher e por isso relacionada ao colo, ao afeto e ao órgão genital feminino; essa energia ou força existe na mulher, no homem, nas plantas e nos animais, nas forças da natureza e do cosmos. No artista que cria sua obra mais sublime; no cientista que tem o insight mais iluminado; no esportista que descobre um novo lance, desconhecido até então; na criança que constrói um brinquedo inusitado; na plantinha de teu jardim que apesar de parecer quase seca gera novo broto cheio de vitalidade; nos ciclos da Lua que regem as marés; nas rotações planetárias, etc e etc.

*ARQUÉTIPO: ver Carl Gustav Jung.

*YIN: Segundo a filosofia chinesa o yin yang é a representação do positivo e do negativo, sendo o princípio da dualidade, onde o positivo não vive sem o negativo e vice e versa. O criador desse conceito foi I Ching, ele descobriu que as formas de energias existentes possuem dois pólos e identificou-o como Yin e Yang. O Yin representa a escuridão, o princípio passivo, feminino, frio e noturno. Já o Yang representa a luz, o princípio ativo, masculino, quente e claro. Além disso, também são indicados como o Tigre e o Dragão, representando lados opostos. Quanto mais Yin você possuir, menos Yang terá e, quanto mais Yang possuir menos Yin você terá. Essa filosofia diz que para termos corpo e mente saudável é preciso estar em equilíbrio entre o Yin e o Yang.

O lado negro do símbolo "YinYang" é o Yin e o branco o Yang; o pequeno círculo branco no lado negro significa que o Yin possui o Yang e, o círculo que o lado branco possui significa que Yang possui Yin. Por Eliene Percília, Equipe Brasil Escola.

Imagem da Internet - Autor desconhecido por mim.

CHAMADO À "MÃE"

Eu acreditava que não conseguiria assistir, era muito forte pra mim (os fragmentos de imagens no vídeo de divulgação do espetáculo).

Aquele chamado à Mãe; era como uma súplica que cortava o ar e ao mesmo tempo em que cortava, ficava, depois, pairando. E eu pensava em minha própria mãe. Pensava em como seria difícil perde-la, em como será difícil perde-la se um dia isso vir a acontecer, e pensava no difícil momento da perda de um ente querido.

Por segundos me colocava naquele lugar, tentava sentir, não sei bem o que; talvez aquela falta. Mas a simples menção de tentar sentir chegava a ser tão dolorosa, que rapidamente fazia por onde eliminar o “aqui de dentro” e justificava: - é o poder da Arte.

Logo depois um desabafo gutural surgia das entranhas e fazia meu batimento cardíaco parar por um segundo: - é, talvez seja demais pra mim!

Mas movida por uma forte vontade, fui...Afinal eu precisava ver de perto. Algo me chamava! Mas o que? Um chamado para a cura talvez, para a abertura de consciência, para a autoconsciência de minhas fragilidades ou sombras que não queria ver; quem é que sabe?

O tempo! O tempo com certeza sabe."

PS.: Essas impressões são minhas, me assolaram bem antes de fazer parte deste projeto, por ocasião de entrar em contato com o espetáculo a partir do trailer de divulgação, e de certa forma, foram elas que me motivaram a assistir como público e a permitir a experiência desse contato com a obra #EspetaculoMAE.

HOMENAGEM À SABRINA BITTENCOURT

O Espetáculo MÃE, usando da dialética cênica, levanta a bandeira que defende, assim como defendeu Sabrina Bittencourt, a todas as mulheres, como parcela representante das diversas minorias e suas fragilidades. Se o espetáculo parte da figura da mulher genitora, porém, não se atém somente a ela, mas a todas as polaridades yin, a todas as energias femininas, inclusive aquelas existentes nos homens. Homens que libertos dos determinismos impostos e da cegueira cultuada por gerações vai honrar seu sagrado feminino e o sagrado feminino de todas as pessoas, e honrando corroborará para o extermínio da cultura do abuso, da violência e do machismo. Nas palavras de Sabrina:

“... TODO MENINO NASCEU PURO e foi abusado, corrompido, machucado, castrado, calado, forçado a fazer coisas que não queria, até se converter talvez, cada um à sua maneira, em tiranos manipuladores (em maior ou menor grau) que ao não controlar os próprios impulsos, tentam controlar a quem consideram mais frágil e assim praticam estupros, pedofilia, adicções diversas...”.

Mensagem de Sabrina Bittencourt na integra em: https://jornalggn.com.br/…/ativista-que-ajudou-a-reunir-de…/

O Jornal de Todos os Brasis - (03/02/19)

NOTA do Roni: Curiosamente o vídeo com trecho da homagem feita ao fim de um dos espetáculos, recebeu várias críticas de haters no Youtube. Com xingamentos dirigidos à Sabrina, alegando que a notícia do seu suicídio era falsa e atribuindo suas atuações como mera "busca de atenção". Me sinto na responsabilidade de ressaltar aqui o que, ao meu ver, já é bem claro no vídeo: que a homenagem feita não foi decorrente do real ou suposto suicídio, mas sim à sua incontestável atuação significativa no desmantelamento de várias redes de abusos ocultas no meio espiritual como o caso icônico do João de Deus. Eu, pessoalmente, sinto muita verdade em cada uma de suas palavras na carta que deixou e o trecho que escolhi para ler, no qual o tema é o abuso contra as mulheres e as minorias, onde ela também elucida muito bem e de forma comovente como "se criam" os abusadores! Se ela de fato morreu ou não, não é o tema do vídeo ou da homenagem. Sua mensagem continua válida de um jeito ou de outro e é claro que eu exclui os comentários densos, afinal, meus perfis são um extensão do meu trabalho pelo qual eu zelo para que quem os visita tenha uma boa experiência.

Por que conhecer o Teatro de Arena Eugênio Kusnet em São Paulo?

O Grupo Teatro de Arena de São Paulo (ou somente Teatro de Arena) foi um dos mais importantes grupos teatrais brasileiros das décadas de 50’ e 60’. Inicia-se em 1953, tendo promovido uma renovação e nacionalização do teatro brasileiro e ocupou a partir de 1955 um interessante ponto da região central de São Paulo. A forte repressão da Ditadura Militar instaurada a partir de 1964, que culmina com o Ato Institucional nº 5, o AI-5, impedem a continuidade das experiências cênicas, lá realizadas, e sua existência termina em 1972. O espaço é comprado pelo extinto Serviço Nacional de Teatro (SNT) em 1977. A partir dos anos 1990 e com o nome de Teatro Experimental Eugênio Kusnet, a velha sala da Rua Teodoro Baima-94 abriga elencos de pesquisa da linguagem teatral, que vêm somar-se à efervescência cultural daquela região (Praça Roosevelt e adjacências).

A sala de espetáculos do Espaço Teatro de Arena recebeu o nome Sala Augusto Boal, é um espaço histórico do teatro brasileiro com capacidade para 99 espectadores e mantém até hoje as mesmas características de sua concepção original, com o palco circular e as arquibancadas circundantes. Lá apresentaram-se espetáculos de importantes companhias e também personalidades do teatro brasileiro, como: José Renato, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho, Augusto Boal, Flávio Império, Paulo José, Flavio Migliaccio, Dirce Migliaccio, Juca de Oliveira, Myriam Muniz, Isabel Ribeiro, Lima Duarte, Dina Sfat, Joana Fomm, Renato Consorte, Lélia Abramo, Dulce Muniz, Hélio Muniz, para citar alguns.

Sobre Eugênio Kusnet (1898, Kherson – 1975, São Paulo)

Considerado o mais importante ator de formação stanislavskiana do teatro brasileiro, teve atuação fundamental também como professor. Formado em Moscou, mudou-se para o Brasil em 1926. Estreou nos palcos brasileiros apenas em 1951, a convite de Ziembinski, pelo TBC – Teatro Brasileiro de Comédia. Depois, trabalhou no TPA – Teatro Popular de Arte, no Teatro de Arena e no Teatro Oficina. Sua reflexão pedagógica pode ser conhecida pelo livro “Ator e Método”, organizado no início dos anos 1970.

Podemos saber mais dessa história do Arena por Izaías Almada, ator da peça “Arena Conta Zumbi” e “O Inspetor Geral” e diretor da Escola de Mulheres pelo Núcleo 2, autor do livro "Teatro de Arena: uma estética de resistência".

Fontes:

https://pt.wikipedia.org/w…/Teatro_de_Arena_(S%C3%A3o_Paulo)

http://www.funarte.gov.br/e…/teatro-de-arena-eugenio-kusnet/

Foto: https://kekanto.com.br/biz/teatro-arena

Espetáculo MÃE, Roni Diniz, no Teatro de Arena, foto da Naava Bassi

Quem Escreveu?

A Eliane Diniz (@_elianediniz), apesar deste sobrenome lindo, não é minha parente e além de Assistente Geral na Produção, é uma ex-designer de moda que em 2005, segundo seu relato, "ocasionalmente conheceu o teatro" e, desde então, tem experienciado as artes cênicas de forma despretensiosa, vivências que a levaram a uma Graduação em Arte-Teatro pela UNESP. A propósito nos conhecemos na UNESP durante o ano de 2017, quando participamos juntos do Projeto “Eu, Você, Nós: como criar juntos?” Projeto de Extensão do Programa de Atividades Artísticas e Culturais, Sub-programa de Ações Culturais - Instituto de Artes – UNESP. Coordenação: Prof. Dra. Lucia Romano (LAPCA - Laboratório de Processos de Criação Atorais).

Depois de testemunhar muitas vezes sua escrita abrangente e potente embora despretensiosa formatada para a movimentação e convite do grande público de 600 pessoas interessadas no espetáculo segundo registro do evento no Facebook, tive minha curiosidade satisfeita em parte ao descobrir seu último trabalho no SESC: Mediadora em Arte-Cultura, atividade que pode ser resumida a grosso modo como mediar, instigar novas relações do público com a obra, ou seja, novas formas de apreciação, através de ações, do público com o conceito que o artista traz.

Todos os textos foram produzidos e publicados originalmente no evento da Temporada no Facebook: https://www.facebook.com/events/782611802095126/?active_tab=discussion

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