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Toda nudez será celebrada!


Toda Nudez Será Celebrada! Roni Diniz

O primeiro sinal de retorno à civilização pós –férias, era o alarme interno de me vestir, não que eu estivesse nu neste momento ou tivesse sequer estado numa comunidade hippie, não, ainda não... Estava de chinelo, regata, bermuda, sem cueca, pois peguei a estrada direto após sair do mar e ainda conservava sobre o corpo o sal da Praia Vermelha de Ubatuba... Minhas células traziam agora memórias de uma dança em espiral que fizemos espontaneamente em grupo dentro da água para abrir e para fechar esta temporada. Estranhamente eu não sinto nenhum incômodo decorrente do sal marinho sobre o corpo! Mas assim que saio do mar, se eu for caminhar, preciso tirar a sunga molhada imediatamente para evitar terríveis assaduras, comuns a quem tem as pernas muito juntas, pareço criança nisso. Chegando à cidade e ah! É preciso vestir a calça jeans, concluímos, nela podemos guardar carteira, chaves e celular, sem a preocupação de que caiam dos bolsos, segurança que não temos ao usar uma bermuda folgada e leve como as que eu vinha usando durante estes últimos 16 dias que passei em Ubatuba! Certo dia precisei pagar alguma coisa e percebi que estava saindo quase todos os dias sem ter certeza exata aonde ela estava.

Eu não estava numa comunidade hippie, mas foi a primeira vez na vida que passei mais de uma semana numa cidade litorânea e vestir uma sunga quase todos os dias - o que alguns já classificariam como “semi-nu” - passando horas com este contado de quase toda a pele do corpo com o ar, a água, o sol e sim, também os borrachudos, risos, é tão diferente que é quase como uma nudez mesmo! Meu corpo agradece e meu espírito vibra por me permitir tamanha liberdade e tamanho afeto por minha existência. Corpo e espírito, crescemos aprendendo que um é o oposto do outro, mas o espírito se alimenta das sensações que o corpo absorve e o corpo adoece devido às carências do espírito, são degraus da mesma coisa, assim como raiz e copa, música e instrumento, um instrumento danificado ou desafinado só pode emitir sons desarmônicos e um som harmônico diz muito sobre o corpo que o produziu.

Se aproximar da cidade demanda roupas adequadas, assim como as paisagens de concreto que vão se tornando comuns e vão encobrindo o cenário antes repleto de montanhas verdes e árvores altas...

ainda não sinto nostalgia e nem saudades de Ubatuba, sinto gratidão e uma sensação de que trago o mar e um rio por dentro de mim. Não foram dias ociosos e nem tampouco dias de retiro como planejei inicialmente, mas sim dias um pouco corridos e intensos a maioria, trabalhos, demandas, surpresas, adaptações, um esforço para ainda conservar um pouco do que tenho direito de escolher mesmo quando exercito entrega e dança na minha relação com a vida... Ainda são minhas as escolhas e as consequências. Em alguns momentos me confrontei com a questão de estar ali sem estar e... Sem me culpar, decidi aprender e refletir também sobre o que ocasiona este desencontro de realidades assim! Mais desapego do que eu busco em prol de saborear o que é real e o que realmente eu tinha a cada dia, sem comparações ou busca excessiva de controle, apenas mantendo aquele termômetro interno se as experiências as quais eu me permitia viver e escolhia continuar refletiam ou não o amor que tenho por mim mesmo.

Eu tinha o som do rio constante, mas nem sempre a liberdade de estar lá na hora em que eu quisesse, tudo bem, mas quando nos tocamos, nos fundimos numa dança de dois que se preenchem e se completam, o que envolve e o que é envolvido.

Meu corpo não estava sempre nu, exceto às vezes nas quais ao adentrar mais fundo o mar, eu realmente me despia discretamente da sunga, atando-a ao meu antebraço esquerdo para flutuar pelado. Ocorre que a água tem um abraço que anseia todos os poros do corpo e mesmo um pequeno pedaço de tecido interrompe o fluxo, ao passo que o descobrir traz à consciência novos prazeres e a gratidão de partes outrora anestesiadas à mesmice do algodão que a tapava, protegendo e cegando as papilas gustativas do maior órgão do nosso corpo, a pele!

O estado de nudez

As mulheres que removiam a parte superior dos biquínis para se banharem na cachoeira compuseram um quadro místico ao som das águas que penduro ao cento do salão do meu coração! Talvez eu entenda um pouco mais agora o que esta liberdade representa! Uma liberdade como a das crianças, despreocupadas com questões de gênero ou censuras impostas ao próprio corpo... Todos temos uma criança interior, nossa saúde física e emocional está inteiramente ligada ao modo como lidamos com esta "criança interna", às vezes muito ferida e eternamente a espera do nosso afeto. Eu decretaria aqui o direito e segurança a todas as mulheres que quiserem desfrutar esta experiência e garantiria-lhes encontrarem nos olhares dos homens nada mais do que apoio e respeito por testemunharem nesta hora elevada, a diluição do medo e da censura em prol da liberdade do ser. Cada censura e medo que impomos ao outro deixa sua sequela também em nossa própria alma, se é que já não veio de lá mesmo. A nudez à qual me refiro não tem absolutamente nada a ver com autoafirmação ou narcisismo, que são posturas da mente relacionadas com a busca de aceitação social e não tem nada a ver com o sentimento de presença. Mas existem tipos de nudez? Como explicar ao mundo que é possível adultos do sexo oposto estarem nus sem necessariamente sucumbirem ao sexo? Não se explica, se vive, se permite. Somente um vínculo de confiança, respeito e entrega pode nos levar a vivenciar momentos presenciais tão sublimes e sagrados. Este vínculo não é elaborado pela mente e nem por contratos escritos, por isso é tão sutil e natural quanto raro! Como pode ser tão normal andar de sunga na praia e na cidade não? Atualmente, tudo é tão resumido ao mundo das funções e utilidades... E não foi justamente por isso que as cidades foram criadas? Mas o ser humano não se resume a funções e utilidades! Então vamos recorrer à velha justificativa do contexto. A praia é um contexto que convida ao uso de roupas adequadas ao banho de mar, tem situação mais adequada ao banho de mar do que a nudez? E tem vestimenta mais adequada ao banho de vida e reconhecimento do próprio corpo e sentidos do que a nudez? Uma das novas amigas que eu fiz por lá, me relatou sua experiência após viver alguns dias nua numa comunidade naturalista, lá ela se sentia respeitada e não viveu nenhuma situação de desconforto com os homens que viviam por lá, decorrente do fato de viverem sempre nus, mas de volta à civilização, se sentiu como “um frango assado prestes a ser devorado por cachorros vorazes”, mesmo estando totalmente vestida no meio de homens urbanos, se viu obrigada a beijar sua própria amiga, como única forma de afrontar os abutres. O fato é que no mundo da inconsciência, humanos sedados querem se saciar no outro para em vão aliviar a fome que tem de si mesmos.

A nudez de estar é também a naturalidade de sentir a vida e a natureza sem capas ou disfarces, experienciando a vida com todos os sentidos despertos. Geralmente, a nudez sem um belo contexto que a resguarde, pode até soar como um dedo acusador em riste contra as máscaras que encobrem essências anestesiadas, sufocadas por ideais sociais. Talvez venha daí o tal castigo destinado a qualquer nudez, como sugere o famoso título da peça de Nelson Rodrigues, escritor acusados por alguns como ostentador do escândalo e da polêmica em sua época, porém amplamente popular até hoje, cuja obra é facilmente lembrada quando o objetivo é questionar as hipocrisias sociais e familiares, suas abordagens, no entanto, ao meu ver, caminhavam muito distantemente do teor sagrado do corpo e talvez menos ainda da busca de consciência corporal, o que obviamente não diminui o valor do seu legado, mas delineia caminhos distintos para o mesmo assunto: a nudez, Outro equívoco muito comum é associar imediatamente qualquer nudez à pornografia, uma indústria viciosa que se nutre justamente da repressão sexual e da deturpação do corpo e da sexualidade. Justamente esta é a mais acessível e tragicamente, torná-se o tutor da maioria dos jovens privados do conhecimento ancestral quanto aos valores sagrados e a consciência do próprio corpo. Um coisa é a nudez e outra coisa bem diferente é o que se faz com ela, sua finalidade e eco a soar... Transitar entre as duas ou mais realidades de um mesmo assunto pode ser um entreato poderoso como uma ponte que reconcilia os mundos, que nos leve a rever a relação que temos com o próprio corpo ao invés da negação deste e a perpetuação de moralismos falidos que mais adoecem do que protegem.

Eu voltava para a cidade transbordando de gratidão por ter me permitido àquela quantidade e qualidade de dias junto ao mar, ainda que tenham me demandado sacrifícios e perseverança para estar lá ou talvez justamente por isso mesmo. Agora eu não critico mais a cidade e seus infinitos pavimentos que não deixam a água adentrar livremente... Tudo tem um porquê e um tempo. Só confirmei que não sou daqui, embora ainda escolha estar aqui por enquanto e tanto tenha a aprender da cidade, não sou urbano. Mas aprecio um bom wifi! Retorno à selva de pedras com mais consciência misturada à minha pele, lembranças sagradas despertas, como o sal do mar que se incrustou em meus poros e deixa os meus cabelos ironicamente mais bonitos do que a poluição de São Paulo, ahhh São Paulo! Eu também te amo e respeito, sem palavras para expressar a gratidão por você ter acolhido a mim e a minha família, sabe, não é você, sou eu...

Se eu fechar os olhos ainda posso contemplar conjuntos de montanhas em degradês azuis ao longo do horizonte, imponentes e vívidas que emanam reverência e me fazem palpitar mais rápido de admiração. Eu também gosto das roupas, de combinações e estilos que emolduram minha natureza, mas não a ponto de me esquecer como eu sou e me torno a cada ano, gosto de emoldurar as particularidades da minha própria anatomia que pareço estar sempre reconhecendo e desvendando, mas é bom me lembrar que sempre fui nu como as montanhas e me permito recuperar o prazer de estar assim sem nenhuma vergonha ou receio de abuso ou desrespeito!

Para alguns a nudez é banal e para outros é um status ou um tabu, para mim é um estado de presença e sensibilização, uma vez alcançado por meio da nudez física, também pode ser acessado independente dela. Porém, o fato de estar nu fisicamente não garante acessar este estado corporal sublime.

Sinto que cada um que consegue celebrar a própria nudez, a física ou o “estado de nudez”, celebra também o prazer que todo ser humano pode recobrar de ser especial e único e se tornar também mais capaz de reconhecer isso no outro, pois tem um referencial interno, rompendo assim os grilhões do olhar duro, obstinado a manter cativo o outro, estratégia inconsciente para tentar aliviar o pesar se permitir à escassez da própria liberdade, liberdade que se dá primeiro a si mesmo, de ser o que é e assim se amar puro, sem acessórios... Você perceberá que sua relação consigo mesmo e com seu corpo está mudando ao passo que se perceber menos crítico com os outros, mais leve e amável.

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