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Subversivos olhares preciosos


Entre o desgaste mórbido de tentar estabelecer diálogos com quem não se propõe a se colocar no lugar do outro e a necessidade do exercício empoeirado da COM-versa, da provocação, do ouvir, oscilamos entre extremos.... Quando um não quer, dois não dialogam! Ainda assim não podemos nos dar ao luxo de desistir, mesmo quando escolhemos o silêncio por um tempo. Não raro, poderemos nos deparar tentando entender a dificuldade alheia de soltar o outro para que ouse acertar ou errar como desejar, até quando quiser ou puder, pois no fundo, esta resistência ranzinza em soltar, libertar o outro, normalmente revela uma atitude resposta de alguém que foi dolorosamente podado de seus próprios desejos e sonhos e assim também se coloca em relação ao outro em controle excessivo e desconfiança de tudo. Permanecemos diante de um espelho turvo e inclemente, ao nos ver sempre em relação ao outro, e vice-versa, em comparações desleais e não em comparação consigo mesmo, rumo ao interior e à própria história e trajetória, uma visão sóbria que provavelmente nos daria uma projeção real e visão límpida de onde realmente desejamos chegar, o que realmente atende a nossa própria essência. Medem-se os êxitos através do reconhecimento alheio e não do autoconhecimento, assim achamos a frustração e como válvula de escape camuflada um alívio: a censura exacerbada à tudo, nada contempla nosso viciado olhar, eis o "consolo inconsciente", às vezes, diminuindo o outro até que se equipare à insignificância que se acredita ter. Apesar das consequências de nossas escolhas serem coletivas, não percebemos que respeitar e cuidar de si mesmo como ser único, acolhendo os próprios riscos e erros como parte do jogo, se relaciona diretamente ao grau do nosso olhar de aceitação para com o outro. Também transitamos entre percalços nas relações, provenientes de conceitos distorcidos sobre o livre-arbítrio, apropriação seletiva e conveniente, de preceitos bíblicos e outras “verdades absolutas”, e diante deste extremos é saudável e urgente se autoquestionar, já que é isso que propomos ao outro quase sempre com a arte, desde que isto não nos estagne também, rever os próprios trajetos até a própria forma de pensar atual. E é fácil notar quantas subversões preciosas a vida nos vai impondo durante nossa jornada, isso, quando não as percebemos antes dos choques... O desafio é tentar não cair nos extremos. A crença na onipotência é tão perto da impotência quanto pensamos, o vitimismo é outro lado da moeda do algoz e vice-versa... Toda regra tem exceção, mas se esta exceção se tornar a regra ela vira um hábito... Mesmo nas decisões mais absurdas já tomadas, uma constatação sempre reaparece: “Era o que eu tinha condições de fazer com o que eu tinha na época” e é verdade mesmo!

Uma das questões que muito ocupa meus pensamentos, não é de hoje, é a conflituosa essência humana de transcender as coisas versus a necessidade racional de organizar e estabelecer as próprias zonas de conforto e limites e lá ficar... Complexo? Nossa vida não se resume na necessidade fisiológica de comer, defecar, comprar, nascer e envelhecer, apesar de não podermos negar estas necessidades, precisamos do prazer verdadeiro, da espiritualidade e do amor também! Estes por si só, já são campos que transbordam nossas denominações e atordoam a abrangência dos sentidos das palavras. Poderia detectar conflitos assim em diversas outras situações análogas, como a criatividade versus a função original das coisas, humano versus máquina, animal versus humano, a técnica versus o espontâneo, rotina versus viagem... Tudo tão humano! Existe uma tonelada de coisas, costumes, objetos que em tempos anteriores seriam considerados uma aberração, como o celular, o avião, a própria monogamia dependendo da região na qual se vive, médicos, mulheres trabalhando, presidente negro... Não seria um aviso para termos mais cautela com o que tanto nos apegamos hoje? E, o que esta escolha ou vício realmente revela sobre nós? Porque “o homem foi “produzido” para caminhar sobre a terra e não para se transportar sobre as nuvens”, parece um exemplo meio óbvio, mas é só mais uma situação à qual eu tento fazer uso a fim de apontar como a inventividade e complexidade humana insaciável o transporta sempre para além do funcionalismo original das coisas, nesta etapa não pretendo dar ou tirar méritos disto ou daquilo, pois os resultados bons e os ruins, nós presenciamos a cada segundo e as linhas são tênues ou grotescas, dependendo do contexto... E no mar das relatividades precisamos de nossas certezas, mesmo que temporárias, mesmo que nômades, para podermos viver com algum sentido... Faz sentido? É preciso cavar até o fundo pra saber se é vazio ou se tem tesouro, mas nesta empreitada você não deve submeter o outro às suas regras, você cava em prol de pedras e ele em prol da terra que você dispensa como sem valor... Para outros o tesouro é o próprio ato de cavar com zelo. Mas existe o acordo, pelo menos quando nos unimos ou quando estamos juntos por qualquer outro tipo de laço, que se firma ao longo do tempo, se transforma junto com a gente ou se rompe para dar lugar a outros. De fato, por mais que o controle, o qual se tem o direito individual de exercer sobre a própria vida, escolhas e consequências, seja imprescindível e não "terceirizável" (embora muitos insistam, consciente ou não em terceirizar), o fato é que a “organicidade” da vida costuma transcender as linhas que riscamos a nosso favor, ou não, e nos dá dicas o tempo inteiro se tivermos coragem de subverter um pouco o nosso olhar para ver...

Quando temos uma grande ideia, geralmente, a primeira pergunta que nos vem à mente é: Como não pensei nisto antes? Porque, de fato, tudo sempre esteve “ali” e agora olhamos para a mesma coisa com uma esperança uma inventividade... Sempre esteve lá, mas todos os dias que passamos ali, nunca notamos antes, até o dia em que perdemos ou que este lugar nos trás algum evento forte... Ou uma rápida tateada que damos no Fluxo da Vida. É uma questão de foco e mergulho, no entanto, subverter a estes com honestidade pode ser o fator mais determinante para vislumbrar o achado... Uma coisa é certa, quem se apega demasiadamente forte às leis sem se conectar com as essências que as motivam, corre um risco mais forte de viver num círculo de incoerências e hipocrisias doentias. acreditando nas próprias mentiras.

O ator, o artista, lida o tempo inteiro com estes embates no seu trabalho, tanto na mensagem quanto na forma de a transmitir, ser criador é um desafio, uma subversão, e também o maior prazer de um ofício pesado em demanda de disciplina, constância, certo controle. Porque criamos em cadeia ou em rede, já que não existe o nada do qual se parta, mas sim um zilhão de possibilidades que um olhar incapaz de subverter os caminhos comuns, os pré-estabelecidos, nunca compreenderia, se atento exclusivamente à casca, se fanático às regras, pelo conforto delas e não pelo valor prático, se é que elas ainda tem este valor que possuíam quando concebidas, condena-se, em vão, a uma cópia barata e à doença que abate nossa geração de identidades enlatadas, viciadas em números, em “likes”, gráficos e fama, não no sabor, na qualidade, na profundidade, e não que estes fatores não possam coexistir proporcionalmente! É como ser apaixonado por uma farda de médico e usá-la, sem ao menos saber nada sobre o corpo humano e atender aos outros sem vocação ou conhecimento, colocando-os em risco, mas pior anda, seria testemunhar um mundo que se acostuma com estes fakes e os toma como verdade, dei o exemplo de um médico, mas o tal comportamento começa com coisas muito menores...

Talvez foi assim que viemos parar em um mundo de aromas e cores artificiais... Num mundo de medos e defensivas, críticas que não incentivam à evolução, mas sim à culpa. Medo porque não confiamos na vida. Se tão somente pudéssemos confiar na vida, assim como confiamos em nossa respiração! Você não precisa planejar minuciosamente a sua próxima inspiração para se manter vivo, precisa? Este fato não nos exime dos cuidados que nos convém ter com nosso corpo e saúde, mas pode ser visto como um lembrete do quanto o controle exacerbado pode ter efeito contrário. Você planta uma semente, rega, a mantém no sol e o trabalho do crescimento é orgânico! Para qualquer estudo é necessário se ater ao tema, organizar o ponto de partida, o trajeto, nomear, desentrincheirar, contextualizar, comparar, observar, ainda assim nada é garantido! Todo estudo também requer uma dose de fé, de deixar a “substância” reagir por si, só por um tempo, e de repente, temos que renomear todas as nossas bases anteriores, "de repente", é a Terra que gira em torno do sol e não o contrário, e tudo agora tem que se readaptar, mas este fato não torna tudo que não é nada algo à espera do click que o confirme como prodígio de grande valor e nem o contrário...

Gente, eu não sabia como finalizar este texto, porque este pensamento não tem fim, então a lembrança deste trecho de livro e foto, me veio a mente como um insight, risos:

"Whitehall tinha tudo que não existia em Stratford (nativa de Shakespeare). O palácio abrigava a maior coleção de arte internacional do reino, seus “salões espaçosos” exibiam “tapeçaria persa”, seus tesouros eram “recolhidos das cidades mais ricas da orgulhosa Espanha” e mais. Para um inglês que (como sua rainha) jamais deixara a costa da Inglaterra o palácio oferecia uma rara oportunidade de ver o trabalho produzido por artistas e artesãos estrangeiros. Um curto desvio no alto de uma escada para uma galeria privada, que dava vista para o pátio de justas e torneios, levava Shakespeare a uma galeria estonteante. O teto era coberto de ouro, e as paredes eram forradas com quadros extraordinários, incluindo um retrato de Moisés, sobre o qual se dizia possuir “surpreendente semelhança”. Perto dele estava pendurado “o quadro mais belamente pintado sobre vidro que mostra os 36 incidentes da Paixão de Cristo”. Mas a pintura que mais chamava a atenção era um retrato do jovem Eduardo VI num dos corredores. Todos que dele se aproximavam pela primeira vez achavam que “a cabeça, o rosto e o nariz são tão longos e malformados que não parecem representar um ser humano”. Ao lado direito do quadro havia uma barra de ferro com uma placa. Os visitantes eram encorajados a olhar o quadro por um pequeno buraco, ou um 0, cortado na placa: para surpresa deles, “o rosto feio se transformava em outro bem formoso”.

Uns poucos anos antes, esse quadro famoso inspirava algumas linhas de Shakespeare sobre o significado de um ponto de vista em Ricardo II: Como as perspectivas, as quais encaramos de frente/ mostram nada além de confusão, olhadas de esguelha/ distinguem a forma.”4 (2.2.18-20) O quadro pode ter também inspirado uma reflexão similar em Henrique V, sobre olhar “em perspectiva”5 (5.2.321) O que o coro chama nesta peça de “Rijo 0”, o próprio teatro, funciona como esse quadro de Whitehall: sua lente é capaz de dar forma e significado ao mundo, mas somente se os frequentadores do teatro fizerem o esforço imaginativo necessário.” (pag. 49 a 50: 1599 Um ano na vida de William Shakespeare / James Shapiro: Edit. Planeta do Brasil)

Esta fotografia é de 2007, um click do meu café, borbulhando olhares e obturadores que foi parte do meu 1º Portfólio para o curso de fotografia e nomeei "Perceber"!

Esta fotografia é de 2007, um click do meu café, antes de bebê-lo, borbulhando olhares e obturadores que foi parte do meu 1º Portfólio para o curso de fotografia que nomeei "Perceber"!

Dança para recobrar o ser permeável, anestesiado sob um mundo de cimento

A expectativa de fotografar por 24 horas!

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