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Nossa essência pura e fatalmente subversiva: A alma imoral, peça de Clarice Niesker


A Alma Imoral_Clarice Niskier_ Senac 30 anos

Ao despir-se logo no primeiro ato, a atriz também desnuda toda a plateia e todas as “verdades” acomodadas pelos cantos e incrustadas em nossos tumores. Seduz o público com uma enxurrada de subversões, desde as mais ancestrais e sagradas às mais sutis e modernas. Em diálogo fino, complexo e ainda assim de latejante simplicidade, (des)encena seu texto que não foi originalmente feito para teatro e ainda assim desvela linhas de consciência e transgressão intrínsecas à alma humana, à arte e ao centro do fazer teatral - theatron, do grego, “lugar que se vai para ver”.

“Aquele que não enxerga não sabe o que não vê, porque quando sabe o que não vê de alguma forma já está vendo.”

Tal qual uma Eva naturalmente influenciada pela serpente - não a serpente dos clichês religiosos e dogmáticos, corrempedores do lívre-arbítrio humano concedido pelo Criador, mas a serpente sagrada, xamânica e ancestral, desenhada pelas mãos amorosas do Grande Arquiteto de tudo que há, obviamente conceitos que transcendem os preceitos morais contraditórios de humanos que insistem em se prenderem com medo da própria essência fatalmente inventiva e transgressora.

Envolta num manto negro que se revela de inúmeras formas por entre as suas mãos, sobre seu corpo e infinitude criativa embrulhada pela caixa preta, Clarice Niskier dança e ilumina o breu cênico entre os limiares do subconscientes e a praticidade racional dos conceitos transmitidos e verdades multifacetadas. Sinuosa e sublime como um vento sutil capaz de arrancar telhados e disseminar sementes, sem sequer apontar um dedo, dá voz e corpo a palavras que alvorecem o mundo velho e o novo, expõe conceitos doentes que podem agora respirar mediante um fluxo de ancestrais e revigorantes novos ares.

“Não há tradição sem traição, assim como não há traição sem tradição”

E assim, “ensinamentos judaicos se revelam mais através de um olhar budista”, numa dança intelectualmente transgressora e humildemente harmonizante para o tipo de artista que ousa tocar o âmago, sem escolha, ou ao público que se permite a dor de renascer e deixar o antigo lugar que se torna estreito a cada nova frase proferida. Em tempos de polaridades e pragmatismos a peça sublinha talvez o mais ousado e despretensioso discurso revolucionário: a dor e o alívio do reencontro com a própria alma essencialmente livre e subversiva!

SENAC 30 anos

Quem ganhou o presente fomos nós! Momento célebre no qual o Senac Santana completou 30 anos, quase a mesma idade que eu! A peça A alma imoral foi apresentada no dia 08 de novembro, no Auditório do Senac Santana, palco no qual eu e inúmeros novos atores tivemos o prazer de pisar e nos apresentamos muitas vezes! Ahh meus suados e saudosos anos de formação técnica como ator! Tive a sorte de receber o convite para esta celebração na última hora e marquei presença entre o pequeno grupo de ex-alunos que prestigiou o evento. Apenas as unidades de Santana e Lapa do Senac oferecem o Curso Técnico de Ator que na minha época era chamado de Técnico em Arte Dramática. “Assisti” boa parte da peça com os olhos fechados, sentindo a energia, as nuances do texto e seu navegar pela minha consciência e corpo sensorial, para quem é ator é quase impossível apenas assistir e saborear uma peça, a mente quer continuar estudando e discutindo os assuntos ad infinitum, risos, de modo que este tem sido o meu treino, principalmente quando a abordagem da obra parece mais intelectual… Afinal, a oportunidade de sentir uma obra, uma alma com o coração se dá unicamente no momento presente, passageiro e único, já os diálogos mentais podem acontecer em qualquer outro tempo após o evento, inclusive enquanto eu escrevia este texto algumas semanas depois!

Sobre a Montagem

O texto é uma adaptação da própria Clarice Niskier para o teatro, do livro homônimo do rabino Nilton Bonder. A supervisão da montagem é de Amir Haddad.

A peça desconstrói e reconstrói conceitos milenares da história da civilização – corpo e alma, certo e errado, traidor e traído, obediência e desobediência.

Sozinha no palco, Clarice Niskier está em contato direto com a platéia, sem fazer uso da chamada “quarta parede”. Para contar histórias e parábolas da tradição judaica, a atriz vale-se somente de uma cadeira panton preta e um grande pano preto que, concebido pela figurinista Kika Lopes, transforma-se em oito diferentes vestes, mantos, vestidos, burcas, véus. O espaço cênico concebido por Luis Martins é limpo e remete a um longo corredor em perspectiva.

A Alma Imoral estreou em meados de 2006 no Rio de Janeiro, ficando em cartaz durante 14 meses. Em sua turnê nacional, ocupou 29 salas, em 23 cidades brasileiras, obtendo sempre a mesma resposta calorosa do público. Recebeu três indicações ao Prêmio Eletrobrás de Teatro (melhor atriz, melhor peça e melhor figurino); duas indicações ao Prêmio Shell (melhor atriz e melhor figurino), tendo vencido na categoria de Melhor Atriz. Foi ainda contemplada em 2007 pelos Prêmios Caixa Cultural e Caravana Funarte de Circulação Nacional de Teatro, e em 2008 pelo Prêmio Qualidade Brasil SP de Melhor Atriz.

Entrevista super interessante com a Clarice Niskier na Veja:

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Com a Patrícia Freitas, coordenadora do Curso Técnico de Atores do Senac, Clarice Niskier e as atrizes Sol Linhares e Simone Cândido, ex parceiras de cena minhas, também formadas pelo Senac, após a peça.

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