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Um mês sem Facebook. Como e por quê?


"Finalmente chegou a hora! Iniciarei um "jejum" de Facebook, rsrs, embora eu não seja tão religioso, o momento me parece propício! Ficarei alguns dias ausente aqui (prazo indefinido), vou sentir quanto tempo deve ser, sem os benefícios e ilusões desta rede, como estudo, como retiro, como experimento. O que perder, perdi, faz parte. Quem precisar falar comigo urgente pode me contatar pelas outras plataformas: Site, Telefone (Zap), Fan Pages e etc. Me desafiarei a não entrar e não ver as mensagens InBox, Grupos e marcações desta conta por enquanto, mas voltarei! Boa Páscoa a todos!"

Foi com esta mensagem que dei início ao meu retiro da rede, claro eu sentia que precisava dar uma satisfação do meu sumiço aos amigos, conhecidos e parentes que moram longe, etc. Assim, fiquei do dia 13 de abril até o dia 13 de maio, pelo menos sem postar, sem curiar a vida alheia, sem curtir e nem compartilhar nada. Como foi e por que fazer isso?

Semana 1:

Sintomas de abstinência do hábito de acessar, saudades de algumas pessoas, cujas “presenças” na rede parece aplacar. A tentação das notificações constantes ativas no celular sempre me deixam a dúvida se são contatos sobre trabalho que posso estar perdendo (mas eu sabia disso). Percebo que o vínculo do perfil pessoal aos perfis profissionais também funcionam como um convite constante para a distração. Não tenho a impressão de saber menos sobre os outros ou sobre o mundo por estar fora da rede. Sinto vontade imensa de postar as fotos dos meus eventos, trabalhos e reflexões atuais, talvez pela força do hábito e atenção que costumo ter ao que tenho feito por observar o histórico que vou montando na timeline. Sinto a libertação daqueles constantes lembretes se alguém curtiu, comentou ou compartilhou, da ansiedade de saber se alguém viu alguma coisa e interagiu. Olha esta libertação me fez uma grande diferença! Vou dar o exemplo de um palco para tentar explicar a sensação, embora um ator esteja ligado e atento ao seu público, pode ser catastrófico atentar a cada pessoa que chega ou deixa a plateia todo o tempo, quem acompanha ou critica, isso pode distrair totalmente a atenção e entrega no que se faz e virar uma tentativa frustrada de segurar o público, ficando em função dele e não do que se vive e na história que se conta. Estou concluindo que é demasiada a presença da rede em minha vida. Ao entrar no trem ou ônibus o instinto de ir conferir as redes é automático e irracional, assim como o planejamento do que pretendo postar constantemente que vem sempre a minha mente, penso no tempo e energia que isto me demanda. Não me faz falta curtir e acompanhar as postagens alheias, mesmo que sejam de sabedoria e motivadoras, talvez por que se banalizaram um tanto... Ainda não tenho certeza se ficarei um mês afastado, mas há um ímpeto forte para isto, bem como talvez restringir somente um dia na semana para consultar as redes durante a semana quando eu retornar. É como se você dedicasse uma boa porcentagem do seu tempo e expectativa para conferir de intervalo em intervalo se alguma visita veio a sua casa, porém nada foi combinado e muitos vieram e foram sem você saber e também nem fizeram questão de te cumprimentar ou prestar atenção genuína ao que você disse...

Semana 2:

Já me sinto acostumado a não entrar sempre na rede. Eu percebo que ter iniciado este retiro com uma viagem de Páscoa, para um sítio no qual não funcionava o sinal do celular, também me ajudou a tirar o foco da rede e quando retornei deste final de semana, não foi tão simples de manter, pois o celular é atrelado às minhas rotinas normais, um convite constante. O meu celular tem o app do Messenger que mostra as carinhas dos contatos inbox (não quero ir ao extremo de desinstalar os apps) e isso me preocupa porque sei que muitos destes contatos são de teor profissional e mesmo tendo assumido o risco das possíveis perdas por me propor a este retiro, eu começo a repensar o que quero com esta saída da rede e até que ponto eu preciso radicalizar a proposta ou não. Me lembrei de quando fiz o meu primeiro retiro de silêncio, quando foi anunciada a disponibilização dos crachás de silêncio no retiro de Réveillon que participei, eu não tive dúvidas, eu falo bastante, eu faço amizades muito rápido, eu estava percebendo a energia que se esvaia desnecessariamente de mim. Mas falei sem querer por duas vezes e como eu tinha me desafiado a ficar 12 horas sem falar, me peguei numa espécie de disputa comigo mesmo, então eu recomeçava a contar as horas partindo do zero. Na terceira vez que falei sem querer, percebi que não era esta competição o que importava, eu não estava fazendo aquilo para mostrar um resultado a ninguém. Mas eu já estava percebendo o estado de atenção e potencialização dos outros sentidos que o silêncio estava me proporcionando, isto não estava perdido só por que eu falei uma palavra sem querer. No entanto, fui repreendido amorosamente por uma amiga que fiz lá, quando ela percebeu eu tentando falar por gestos desnecessariamente, me disse: “Honre o seu silêncio”. Ela me disse com olhos amorosos e me fez pensar. Uma ficha caia dentro de mim naquele momento. Sim era para mim mesmo! Então, também agora, comecei a observar os estados que permanecer longe da rede estava me proporcionando e era muito bom, eu me sentia mais presente nas minhas atividades, mais livre. Comecei a contatar via whatsApp algumas poucas pessoas que o celular me avisava que tentava falar comigo por inbox. Me perguntava se eu não estava burlando minhas próprias regras, mas de fato, os contatos feitos fora do Facebook são mais objetivos, pois não incluem a tentação de ler as notícias efêmeras do feed e as notificações vermelhinhas que distraem e atraem tanto. O fato de não postar, não curtir e não compartilhar já me trouxeram o efeito de jejum em todo o teor e desafio ao qual eu me propus. Confesso que não notei um aumento absurdo do meu tempo por não estar nas redes, mas me senti aliviado e mais centrado por perceber que eu não preciso conferir cada notificação que o celular avisa o tempo todo, precisão que eu somente conseguia ter em situações específicas de reuniões, ensaios ou meditação, após os quais eu sempre ia correndo conferir as benditas notificações.

Semana 3:

Notei uma tendência de substituir o Facebook e o Instagram por outras redes como o Youtube e Whatsapp. As redes tem características diferentes e estratégias distintas para sugar nosso tempo. Comecei aproveitando meu tempo para dar uma atenção ao meu Canal do Youtube, não é bem um canal, pois eu não crio nenhum conteúdo de entretenimento, mas gosto de deixar disponíveis ali alguns materiais que são importantes ou especiais para mim para que eu posso ter “a mão” sem precisar consultar meus hds velhos por horas para encontrar. Sigo alguns canais, gosto de comentar e receber notificações de novos vídeos, sim, me peguei gastando um tempo significativo nestes processos e busquei me observar. No WhatsApp também me peguei comentando nos grupos que geralmente eu não tenho tempo nem de ler, até interagi um pouco... São muitas redes e eu nem tenho Snap Chat, risos... A minha vontade de fazer este Retiro do Facebook, começou em dezembro de 2016, quando recebi uma daquelas vídeo-montagem automática da Rede, daqueles que a gente ama e ninguém curte, risos, a vídeo-montagem me parabenizava por estar há sete anos no Facebook. Me lembrei exatamente da época em que criei o meu perfil, eu tinha o Orkut e gostava de postar meus desenhos e poemas lá. Mas o Facebook veio com um caráter mais profissional e me pareceu um lugar inevitável para reunir networking e de fato é, mas foi se tornando cada vez mais pessoal e depois começou a me incomodar por causa da superficialidade das coisas ali. Tanto que em 2011 iniciei uma pesquisa em dança com meu grupo da época que incluía muitos questionamentos sobre a rede, a superficialidade ali e em outras manifestações culturais, era o Facebunda. A ideia de manipular a imagem que queremos apresentar, de todos serem sempre felizes e perfeitos e nossa intolerância ríspida quando vemos algo na rede fora deste padrão, a viralização de tendências fúteis, a busca de status e aceitação evidenciadas superficialmente pelas curtidas... Mas eu sempre gostei de ver no meu Facebook uma espécie de histórico, um mapeamento dos lugares que visitei, das peças que fui ver, dos amigos que eu reencontrei e conheci, das peças que montei... O problema é que isso não reflete quem eu sou e sim fragmentos selecionados, obviamente também não chega nem perto do que significa vir me ver pessoalmente, assistir minha peça, estar comigo nesta festa ou passeio... Esta experiência de presença pode contradizer totalmente o meu perfil e revelar o que eu penso que sou, mas não o real ou até pode confirmar tudo também e acrescentar detalhes! Mas geralmente não é assim...

Me rendo, passei a conferir algumas notificações InBox de teor profissional, mandei material pra um casting, agendei alguns trabalhos, porém, decidido a não me render ao feed de notícias e às enxurradas de notificações, entrei duas vezes automaticamente no feed e no botão superior direito de notificações, mas fui firme e sai. Comecei a me perguntar o que mudava saber tudo aquilo, juro que não consegui achar uma grande importância nisso, me perguntei então, o porquê de eu estar alimentando esta rede com minhas coisas também por todos estes anos.... Na vida analógica comecei a notar mais as pessoas no trem percorrendo o feed de notícias em seu smartphones, tão superficialmente, curtindo algumas coisas e passando outras. É a este crivo frívolo que nos submetemos? Me lembrei das pessoas comendo enquanto assistem TV ou andando na rua com pressa (quem nunca?), nem sabem o que estão comendo, comem por comer, para atender uma necessidade física, não saboreiam e nem mastigam direito. Será que precisamos ser sempre assim? Por que uma vez ou outra é normal que estejamos sob pressão, atrasados, mas temos que desconfiar quando isto está se tornando a regra e não a exceção, não acha? Um grande amigo meu sempre comentava que em breve as pessoas não comeriam mais comida, apenas consumiriam pílulas com os nutrientes essenciais, de manhã, a tarde e a noite. Claro que eu ficava chocado, mas entendia o raciocínio dele. Talvez o Facebook e as outras redes tenham se tornado uma espécie de pílula das relações. Pílulas que podem ser consumidas em grande escala, ao passo que a vida real seria alcançável só pelos íntimos. Na mesma semana eu estava assistindo a série da NetFlix , “13 Reasons Why”, dentre outras coisas, a série mostra um ponto de vista sobre a rede funcionando como uma lente de aumento distorcida para algumas mazelas da vida moderna como bulling, a depressão e de novo a superficialidade das relações:

"Você espiona pessoas todos os dias. A gente sempre observa alguém, segue alguém e é seguido. Facebook, Twitter, Instagram, eles fizeram uma sociedade de seguidores e a gente adora. Claro que seguir alguém na vida real é uma coisa totalmente diferente. Isso mesmo, eu tive um seguidor... fique ligado para ouvir sobre os esqueletos que ele desenterrou, vamos ver se ele encontrou algum esqueleto dele! Acho que é emocionante investigar a vida de alguém... Somos uma sociedade de seguidores, todos nós somos culpados, todos observam, todos acham coisas de que temos vergonha. A única diferença é que Tyler, você foi pego! Talvez eu nunca saiba por que você fez o que fez. Mas posso fazê-lo entender como fez eu me sentir."

Talvez esta série pareça demasiado dramática, mas que grande história não é? Vamos pensar nas tragédias gregas, nas de Shakespeare... Algumas vezes nossa vida pode estar mesmo nessa realidade paralela distorcida por nossas emoções, traumas e desequilíbrios hormonais, emocionais... Ou seja, não recomendo que pessoas em processo de depressão ou recuperação, assistam a esta série. Mas super recomendo aos pais e a quem trabalha com educação e psicologia, a série aborda detalhes, conceitos médicos e paradigmas sociais e desenrolem uma ótima "investigação" de razões escondidas por detrás do bulling, do suicídio de jovens e do colapso de apatia entre gerações.

Semana 4:

Está quase acabando o meu retiro das redes. Finalizei um trabalho que eu gostaria muito de divulgar, receber feedbacks, essas coisas, mas eu sei que não preciso ter pressa em postar, mesmo assim tem algo em mim que insiste em valorizar a instantaneidade do post, como se a rede fosse mesmo retrato da vida real... É engraçado, mas tudo que eu não postei neste mês, poderia fazer agora e ninguém saberia que é de outro tempo, não é bizarro? No entanto eu saberia. Mas dizem que uma mentira que é repetida constantemente se torna uma verdade. Até que ponto nossas mentiras se tornam reais, por repetirmos tanto na rede? E até que ponto o choque de realidade com as “idealizações virtuais” podem mutilar nossa vida real, por puro hábito nosso?

Não vou deixar de postar minhas coisas quando eu retornar, meus trabalhos, minhas reflexões, meus compartilhamentos mais banais, mas acho inevitável me observar mais de fora depois desta experiência, sim, atentar mais em perceber o que está por trás do óbvio, para não reagir em afeto às ilusões e não propagá-las... Acredito fortemente que a arte pode nos proporcionar, dentre outras coisas, o grande benefício de estudar a vida, a comunicação dentre muitos outros aspectos humanos, ela nos permite ter um bom pretexto para assumir posturas corajosas ou decisões que, sem o seu respaldo, seriam julgadas simplesmente como loucura e nos proporcionam conhecer e testar os códigos, criar novos códigos para comunicar estas experiências, estas questões, além de um espaço de propor e provocar outros a vivenciarem estas experiências ou o que se reverbera delas, por meio de metáforas, estética ou linhas mais racionais e diretas...

Não sinto nenhuma falta do Facebook, percebi sinceramente que eu poderia excluir minha conta agora mesmo. Mas é inevitável reconhecer como as redes sociais estão atreladas ao nosso modo de vida e relações atuais, como facilitam também os nossos contatos profissionais e como banalizam muitas coisas importantes também! Mas, a meu ver, problema não é a rede, não é o instrumento em si, mas sim COMO fazemos o uso destes, muitas vezes sem nenhum treino ou interesse em monitorar e desenvolver maneiras de tirar proveito saudável deles ou aferir seus efeitos em nossa vida e hábitos...

O texto abaixo é a transcrição de um vídeo baseado no livro: CONECTADOS, MAS SÓS de SHERRY TURKLE. Fez parte da antiga pesquisa já citada, o Facebunda.

“Esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros.”

A inovação da Solidão

(...) Pesquisas sociológicas indicam que o tamanho máximo natural de um grupo de humanos seja de aproximadamente 150 membros. A maioria dos humanos é incapaz de conhecer intimamente mais de 150 pessoas. Assim ainda hoje, o limite da organização humana fica ao redor de 150 membros.

O homem é uma criatura social e o sentimento de solidão pode enlouquecer. Entretanto o mundo moderno ocidental idolatra a individualidade. O indivíduo é medido pelas conquistas sociais, como sua carreira, saúde, imagem e consumismo. Nesta situação muitas pessoas perdem suas conexões sociais e familiares para favorecer um ideal de auto realização.

Conforme o tecido social no mundo ocidental se enfraquece. Não é surpreendente que mais e mais pessoas se definam como solitárias. Assim a solidão se tornou a doença mais comum do mundo moderno. A inovação da solidão. Uma das possíveis razões para esta enfermidade são as redes sociais. Em um mundo onde tempo é dinheiro, em que nosso meio pressiona para conseguir mais e mais, a nossa vida social fica corrompida e mais exigente do que nunca. Então vem a tecnologia, simples, esperançosa e otimista, sempre jovem. Nós ficamos viciados no romance virtual, disfarçado pela rede social que fornece uma plataforma impressionante, que nos permite gerenciar nossa vida social de forma mais eficiente. Entretanto, nossas fantasias sobre estas substituições estão começando a cobrar um preço, nós estamos colecionando amigos como selos. Sem distinguir qualidade de quantidade e trocando o sentido profundo e íntimo da amizade com a troca de fotos e conversas de chat. Fazendo isso, nós sacrificamos a conversa pela simples conexão, criando uma situação paradoxal, na qual nós afirmamos ter vários amigos, quando, na verdade, estamos sozinhos.

Qual é o problema em ter uma conversa virtual?

Bem, ela acontece em tempo real e você pode controlar o que irá dizer. Esse é o ponto, isso significa que podemos apagar SMS, e-mail, postagens. Todas estas coisas nos permitem aparecer como nós queremos ser. Nós podemos editar. Em vez de construirmos amizades reais, nós ficamos obcecados com a promoção pessoal sem fim. Investimos horas na construção do nosso perfil, procurando a melhor ordem para as palavras na nossa próxima mensagem, escolhendo as fotos em que estamos bem. Tudo isso para mostrar uma imagem agradável do que somos. Nós esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros. As redes sociais não estão apenas mudando o que fazemos. Mas também quem somos. Isso por que a tecnologia nos atrai mais quando estamos vulneráveis. E nós estamos vulneráveis. Estamos sozinhos. Mas temos medo da intimidade. Enquanto as redes sociais oferecem três fantasias gratificantes:

1) Que nós podemos direcionar nossa atenção para onde quisermos.

2) Que sempre seremos ouvidos.

3) Que nunca teremos que ficar sozinhos.

Essa terceira ideia, de que nunca teremos que ficar sozinhos, está mudando nossa mente. Está modelando um novo modo de ser.

A melhor forma de descrevê-lo é: "Eu compartilho. Portanto eu existo."

Nós usamos a tecnologia para nos definir, ao compartilhar os pensamentos e sentimentos a medida que eles acontecem. Além disso, estamos criando experiências para ter algo a compartilhar. Para nos sentirmos vivos. Acreditamos que estar sempre conectados irá nos fazer sentir menos sós. Mas estamos em risco por que o contrário é verdadeiro. Se não formos capazes de ficar sozinhos, nós apenas vamos aprender como ser solitários.

Gostaram das ilustrações deste post? São do artista polonês Pawel Kuczynski, ele nos mostra como enxerga o uso do Facebook nos dias de hoje. Em sua série de ilustrações, ele usa um humor sagaz e formas surreais para fazer sua crítica – mas afirma: surreais não são os desenhos, mas o mundo em que vivemos.

Vídeo “A inovação da Solidão” https://youtu.be/DkG8ZV-8zqM

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O artista Pawel Kuczynski,:

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