SOU UM HOMEM COM PROBLEMAS E PROCESSOS TAMBÉM E TÁ TUDO BEM!
- Roni Diniz
- 28 de out. de 2024
- 6 min de leitura

Nestes últimos anos já senti a necessidade e o chamado interno de mergulhar em muitos processos de autoconhecimento profundos além dos que a própria arte, o teatro e a minha sensibilidade já me demandam naturalmente. Entre um processo e outro eu tenho me dado o direito de ter um tempo para assimilar. Ufa! Os anos foram se passando, eu fui me transformando e evoluindo, normal da vida né? Ou nem tanto... Fui ganhando mais consciência, me assustando com algumas coisas em mim, eu tenho isso??? Mas me sentindo menos vítima da vida, menos manipulado através do desconhecimento de mim, menos obcecado por metas e consequentemente menos abalado por suas frustrações ou menos viciado pela anestesia compulsória do efêmero sabor de conquistar e conquistar... Viver é tão mais abrangente! Sabe, tá tudo bem, é bom confiar na Natureza do Ser, na Vida, desde que isso seja feito com auto responsabilidade e consciência.
Eu tenho uma nova voz dentro de mim que a cada nova percepção de caos ou sombras, me tranquiliza me incentivando a olhar para tudo o que eu tá tenho feito e continuarei fazendo na-tu-ral-men-te sem cobrança, sem tapa na cara, pois crescemos na direção da luz como as plantas e é para lá que vamos de um jeito ou de outro, mais cedo ou mais tarde.
Durante muitos anos o fato de eu ter poucos relacionamentos afetivos era algo que me afetava, mesmo sabendo que a intensidade comigo era grande e demandava cuidados comigo e com os outros, claro que eu me comparava muito com os outros homens e muitas vezes me sentia sim intimidado pela cobrança social por performance, quantidade e sucesso, eu achava que esta voz impositiva era minha! Já senti inveja de relacionamentos que "pareciam" perfeitos e pessoas que pareciam ter nascido com a bunda virada para a lua, na carreira, na aparência... Estes padrões de comparação me deixavam muito pior e com raiva de mim mesmo... Eu não percebia como eu reproduzia dentro de mim, exatamente a voz daqueles “pais, professores e diretores” sádicos que eu mais criticava na vida, risos. Raiva inconsciente é um truque sacana para continuarmos vinculados àquilo que não queremos.
Eu não sabia me olhar em silêncio, me reconhecer e dissolver as vozes que não eram minhas, mas que ecoavam dentro de mim, reverbs do mundo externo, das escolhas alheias, para então de fato olhar para os meus próprios sentimentos e lidar com cada um deles, até com os mais feios e delicados. Ninguém nos ensinou isso desde criança, nem professores, nem pais ou adultos... Ninguém nos ensina a olhar para dentro. Pois muito provavelmente eles também não sabem se ouvir e chafurdam até hoje como crianças no caos de suas mentes e emoções.
Relacionamento ou "utilitarismo"?
Um dia eu me encontrei com uma vizinha querida e idosa na rua, chateada, ela se queixava sobre o fato de ter que estar cuidando do irmão também idoso e doente, além de ter cuidar do seu próprio marido mais velhinho. Então num instante de indignação ela desabafou assim: "Não sei porque não casou? Pelo menos teria alguém para fazer este trabalho"... Pior que de imediato eu meio que concordei com ela, mas em seguida, percebi que esta fala não partia da Verdade e do Amor, mas sim da sobrecarga e cansaço que ela sentia e continuava não solucionando por se distrair com a raiva do que estava vivendo... Eu também não fui muito bem, acabei dizendo para ela assim: "Que horror! Já pensou casar apenas para ter alguém que te cuide na doença? Não seria uma troca de interesses? Algo bem podre?" Hoje percebo que mesmo ela talvez tendo seguido a pressão social de se casar por isso e por aquilo, me parece que ela não teve nem uma coisa e nem outra, nem a liberdade de solteira e nem a tal “segurança” ao casar, pois agora tem doi “filhos” para cuidar. Não é que eu não acredite no casamento ou nos relacionamentos, mas é que sempre senti que as motivações são muito deturpadas e invertidas. Mútua sugação de energia, mútuo anestesiamento.
A maioria das relações afetivas ainda funciona neste velho estilo mesmo, troca de interesses, assim se vitimizando aos piores abusos em troca da "tranquilidade" social de ter alguém para esfregar na cara da sociedade que você não está só e de que é capaz sim de se relacionar mesmo que o custo seja o autobandono e a omissão de si mesmo. Então a guerra com o relacionamento ou para “salvar” o outro se torna a desculpa mais eficaz para fugir de olhar para dentro de si.
As novas voltas no espiral
Com o passar dos anos, eu fui olhando mais para dentro de mim, pude ver e ainda sigo percebendo, ou retornando nos mesmos assuntos com novos e mais profundos olhares: Ainda continuo cheio de "probremas" que muito provavelmente gritariam muito mais forte num relacionamento, ainda noto aqui uma bagagem pesada familiar para dissolver e ressignificar em curso, mas não os culpo, também herdei da família uma força descomunal, dons e oportunidade de fazer da minha estadia aqui uma dança transmutadora! Noto resquícios do jovem com maturidade precoce que eu fui e não teve tempo de viver muitos processos normais, assumindo responsabilidades que não me cabiam, mas não tinha outro jeito, isso tudo também me auxilia a entender melhor tanta gente hoje que também desenvolveram um senso muito prático de sobrevivência, autodefensiva forte e posicionamento assertivo frente aos fatos, mas cheio de desconfianças, olhar tudo isso é um trabalho bem solitário mesmo, ninguém pode fazê-lo por nós e às vezes, noto minhas próprias birras e novos aspectos da criança ferida que todos nós temos dentro de nós para ouvir e acolher.
Não tenho saco para relacionamentos que se tornam como a briga de duas crianças ofendidas, prefiro eu me resolver com minha criança no meu tempo. Hoje eu consigo perceber mais facilmente como estes B.O.s aparecem ou apareceram nas poucas relações afetivas que eu tive. Mesmo assim, minha decisão tem sido não me anestesiar, nem tampouco barrar a amorosidade que brota em mim ainda que seja direcioná-la a mim mesmo ou todos e tudo, de modo não romântico. Olhar com coragem e real amor para escolher e estar comigo-mesmo primeiro em cada processo, ser o primeiro a me dizer e ouvir com verdade que eu sou capaz de me amar exatamente como eu sou e amo mesmo! Tem sido meu aprendizado. Eu nunca me iludi com elogios ou deslumbramentos de pessoas interessadas em mim, pois meus oásis e abismos internos não são brincadeira e não estão disponíveis para quem não tem se treinando em si mesmo, tudo o que eu posso oferecer, minha prece no Éden ou minha prudência nos vales escuros e mortais que também me habitam, de nada serve para quem não se aventura nem em si mesmo, não andando nem um palmo de suas terras. É somente ao experimentar o repousar no colo do meu próprio coração que eu tenho a luz e a energia para prosseguir e não por as responsabilidades que são minhas nas mãos dos outros, aí sim, quiçá, ser uma contribuição para outros que estão no mesmo processo de se desbravar, de se acolher… Quem sabe algun(s) relacionamento(s).
Cansei de colocar o meu poder nas mãos de outras pessoas, nas mão dos governos, nas mãos da família, nas mãos do êxito profissional ou de um relacionamento dos sonhos.... Sou profundamente grato por cada aprendizado em cada uma destas facetas, não as renego e nem excluo, mas não estou mais diretamente a serviço deles há anos, cresci. Estou a serviço do meu próprio e sagrado coração e sei que quanto mais eu afinar esta escuta (este processo não tem fim), maior contribuição eu serei para todo o resto e em maior ressonância eu estarei com o pulsar da vida esteja aonde eu estiver, junto ou só e de fato, sabe… Uau! Está mesmo tudo bem fugir às regras sociais e conhecer cada vez mais quem eu de fato sou… Afinal, não tem como tirar férias de mim mesmo, não é?
PS: Na foto, a cara de quem quase perdeu sua câmera fotográfica, principal instrumento de trabalho, na época, para uma inusitada onda do mar.
Com carinho, Roni Diniz (gratidão pela visita)
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