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Compulsiva dó do agressor e culpabilização da vítima. Descriar!


Compulsão de dó pelo agressor

Eu gostaria de considerar uma tendência estranha que sempre observei no comportamento humano, principalmente no caso de abusos e agressões contra mulheres e outros vulneráveis: a "coitadização" do acusado, um vagão que sempre puxa junto o adiamento de ações efetivas para resolução do caso e culpabilização cruel da vítima. Muitas vezes, pessoas-chave que poderiam ser uma contribuição potente no tratamento e reabilitação dos agressores antes que estes piorem, acabam minando suas chances porque agem compelidas pelo que eu chamo aqui de "dó compulsiva"! Já viu isso?

Compaixão é uma preciosa qualidade humana, mas é totalmente diferente de dó. Compaixão “é a sua dor no meu coração”, já a dó nos faz tratar o outro como incapaz e impotente, tirando do outro a chance de se sentir capaz de mudar o rumo da própria vida e se sentir responsável pelas próprias escolhas, absorvendo delas o aprendizada que precisa para a própria evolução.

Desde algumas considerações do tema que fiz diretamente no processo criativo do Espetáculo MÃE, eu já perdi a conta dos casos de abusos sexuais que homens e mulheres me confidenciaram terem sofrido e não terem denunciado, muitas vezes por falta de apoio dos pais, justamente por medo das consequências duras decorrentes de uma família e/ou sociedade totalmente despreparada e ignorante demais neste assunto para acolhê-la num momento no qual já se sentiam extremamente fragilizados. Seus olhos me desenhavam estes sentimentos como se estivesse ocorrendo agora. Entende? A dor parece ter ficado duplamente estagnada. O pior é que em muitos casos, os próprios pais, principalmente a MÃE, maquiaram o caso, passando uma impressão de que este crime não era algo muito importante. Escolheram não ver. Imagine você, além de lidar com um abuso sofrido, estas pessoas sofreram um outro estupro: o emocional, com a traição das pessoas que mais amavam e confiavam, os próprios pais. Semeou-se a semente do mal para as próximas gerações! A relação que tivemos ou não com os pais vai permear inconscientemente toda a nossa vida e as nossas relações como se fosse uma matriz: a base.

Se estes filhos tiverem a coragem de olhar para isso apesar de tudo, terão um processo desafiador até conseguirem reestabelecer a ordem dentro de si, pois estas experiências geralmente implantam raiva explosiva ou reprimida mesmo caso não se atentem a isso ou se culpem por isso também. Estas circunstâncias deixaram uma mensagem perigosa ecoando internamente de que o "O amor se omite", "O amor explora, te trai e abusa", ainda que afirmem convictamente o contrário e queiram amar e ser amadas... É a visão possível através destes óculos turvos por experiências dolorosas e crenças limitantes resultantes, a coisa piora quando se vê outra vítima a frente: “Culpada!” é o que seu caso mal resolvido as levam a projetar no que vêem.

Se não encararem a jornada de autoconhecimento e consciência, provavelmente serão mais um dos que se levantam compulsivamente para acusar qualquer suposta vítima de vagabunda, culpada, viado, mimimi, etc. e ainda sentirão um alívio sádico com esta martirização do outro, pois na mente polarizada, a outra opção seria totalmente o contrário e doeria demais, entende? Este é apenas um dos jeitos pelo qual se troca muito facilmente da posição de vítima para a de algoz. O instinto de sobrevivência inconsciente quer evitar a dor a qualquer custo mesmo que seja causando mais dor sem perceber. Equivaleria a ter que lembrar novamente do abuso e da traição que se sofreu ou aprendeu de quem mais confiava e amava. Quando estes traumas recebem a devida atenção, tratamento especializado, é possível ter uma vida normal e consciente. Dói, mas precisamos conversar sobre isso para liberar espaço interno para o Amor Real e para prevenção! Nossos filhos merecem esta herança?

O silêncio que multiplica o vírus

Mas o que se nota normalmente é uma grande recusa a se falar sobre isso, acaso você já viu um surto de dengue desaparecer porque ninguém falou sobre isso? Como em qualquer surto ou epidemia, a cura e prevenção destes males requer um bom fluxo de informação confiável e disponibilização do conhecimento: conscientização!

De modo algum quero incentivar aqui o ódio aos agressores, pois como sabemos bem, o ódio gera mais ódio e alimenta novos ciclos repetitivos. Estou sempre utilizando adjetivos masculinos aqui e usei minha própria imagem para ilustrar este post de forma bem humorada, pois foi minha intuição para começar a falar sobre isso, mas o sentimento de “dó compulsiva” como o daquela mãe que corre para proteger o filhote mesmo quando sabe que foi ele quem cometeu o “delito”, pode e é manifestado também de formas mais sutis e muitas vezes por homens também com outros homens ou com mulheres abusivas em relações diversas, afetivas, profissionais e por aí vai. Também podemos cair nesta tentação de “autoinfatilização” quando lidamos com situações muito duras ou quando este é o incentivo/pressão externa e não estamos maduros o suficiente para reconhecer, lidarmos com nossas ações e consequências. Há mulheres ou homens que se utilizam desta estratégia de “colinho” justamente para a manipulação do outro, os grandes vilões humanizados de nossa literatura mundial ilustram muito bem este abusivo "acordo" energético e sentimental, utilizado com destreza por este tipo de persona como o Iago do texto Otelo e a esposa de Macbeth, ambos de Shakespeare, dramaturgo perito na complexidade da psique humana.

De onde vem a doentia solidariedade ao agressor?

Infelizmente, é possível perceber que nossa sociedade é mergulhada num caso profundo de síndrome de Estocolmo (vítimas que se afeiçoam ao agressor, protegendo-o como uma tática inconsciente de sobrevivência). A compaixão desregrada e inconsequente ao agressor ou suspeito não raro pode ser um espelho da dó que a mamãe (ou outra pessoa que admiramos) nos “ensinou” a sentir do papai que lhe batia e nos abusava, assim, algumas vezes aprendemos com ela a tratar o agressor como um “bebezão”: um chip implantado muito cedo bem no subconsciente… Na época em que o nosso subconsciente era como uma terra extremamente fértil a ponto de brotar imediatamente qualquer semente jogada ali. Quem já cuidou de um jardim sabe bem como algumas ervas daninhas são muito difíceis de serem removidas, pois suas raízes às vezes se misturam com plantas boas e até com a própria estrutura do local onde está… Como aquelas propagandas que saímos repetindo sem perceber e que nos instiga a comprar o que não queremos e nos faz tão mal por impulso. Por outro lado, ainda nesta lógica exemplificada, às vezes aprendemos a agredir para receber atenção e “respeito” igual ao papai que recebia quando quebrava tudo.

Mas aquela mãe temia ser rechaçada e marginalizada caso denunciasse o próprio marido, era constantemente acusada de ingratidão, viu isso acontecer com muitas outras, todo mundo saberia que seu casamento não é feliz, temia não ter trabalho e passar fome com os filhos caso se revoltasse contra os abusos, não tinha autoestima nenhuma, até os líderes religiosos colocavam em suas costas a responsabilidade para sanar os abusos dos marmanjos maridos e o transformarem como se eles não tivessem seu próprio livre-arbítrio, ela não tinha os tantos recursos e leis que temos mais disponíveis hoje para reverter isso… A sua autoanulação e autoabandono eram vistos e “elogiados” convenientemente como heroísmo e amor incondicional. Sacrificou-se achando que era por amor, mas não imaginou que estava ensinando a mesma conduta aos filhos, a repetirem ou a tolerarem os abusos. Ela não tinha condições de considerar que filhos abusados ou que assistem abusos, tornam-se potenciais abusadores também! Sinto muito, me perdoe, te amo e sou grato! São justamente os erros dos nossos ancestrais que nos abrem a oportunidade de criar uma realidade diferente, se saímos do vitimismo e nos propomos a perceber tudo isso e o que mais for possível com gratidão e ação.

Eu desenhei toda esta “cena familiar” ainda que muitos tenham vivido literalmente assim, mais para ilustrar como temos a tendência de repetir comportamentos que não fazem mais sentido hoje para nós, pois o cenário e até nós já mudamos muito! Estamos cheios de oportunidades e ferramentas para escolhermos vivenciar outras e novas experiências… Mas os mecanismos da nossa mente tendem a repetir os mesmos padrões limitantes do passado se não investimos tempo e energia em expandir nossa consciência.

Ainda que realmente haja vítimas, é importante fazer uma distinção entre vítima e o sentimento de vitimismo que pode adiar uma transposição do paradigma e nublar a consciência, fazendo com que repitamos exatamente aquilo que tanto nos magoou um dia…

Sei que todo este texto talvez se pareça mais com divã de analista, risos, mas foi a forma que brotou em mim de tratar esses assuntos tão emergentes! São apenas meus pontos de vista hoje norteados pelo que sinto e pelo que aprendi, sem nenhuma pretensão de implantar nenhuma verdade absoluta, mas se te tocou e fez sentido para você, que seja uma contribuição no seu caminho como tem sido no meu. NAMASTÊ!

Abaixo, considere um trecho de um artigo interessante e recente com considerações bem concretas sobre a cultura de culpabilização da vítima em casos de estupro.

Por que duvidam da vítima

A advogada Pamela Michelena De Marchi Gherini reitera que o número de casos de estupro reportados falsamente é muito pequeno, embora não existam estatísticas a respeito disso no Brasil.

“Não faz sentido duvidar sempre da palavra da vítima, como acontece no país. Inclusive, há meios legais que a pessoa pode utilizar para processar alguém que reporte um crime falsamente, a denunciação caluniosa.”

A prática de colocar em dúvida a palavra da mulher é decorrente da cultura do estupro na nossa sociedade, segundo Pamela. Dentro desse cenário, há uma banalização sobre o que é este crime. “Muitas pessoas acham que o estupro é sempre algo feito mediante muita violência, por um desconhecido, num ruela. Então, toda vez que ele acontece num modelo diferente, a sociedade duvida”, explica.

Da forma como o estupro é entendido hoje no Brasil, sendo um crime hediondo, não é necessário que tenha havido penetração. Conforme o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Mesmo assim, as mulheres que denunciam casos de violência sexual são cobradas a comprovar que o que estão falando é verdade. “Muitas vezes, não há testemunhas, provas em imagens, sêmen ou marcas de violência no corpo, principalmente quando ocorre entre pessoas que têm um relacionamento”, afirma a advogada.

“A vítima passa por todo esse processo, repleto de hostilização em meio a uma situação muito grave, e ainda assim decide ir adiante e denunciar. Por que alguém que não sofreu uma violência como essa se colocaria diante de um confrontamento da sociedade? Dificilmente uma pessoa vai se colocar nessa posição não tendo acontecido o crime”, finaliza.

FONTE:

Trechos da Cartilha de Prevenção de Abuso Infanto-Juvenil

FONTE e Material Completo:

POSTS RELACIONADOS:

Acolher o trauma para Transmutar - Espetáculo MÃE, um Não ao abuso!:

MÃE de si (Poema):

Um bonde chamado Estupro:

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