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A Grande Pedalada em Arraial do Cabo


Estrada para as Prainhas do Pontal do Atalaia. Foto: Roni Diniz

Sinceramente, o trajeto externo nem era tão grande assim, cerca de 4 km para ir e 4 km para voltar, de jejum e sobre uma montanha calçada de paralelepípedos irregulares, lá fui eu... Mas maior mesmo era o trajeto interno a ser percorrido! Maior mesmo era a profundidade daquele chamado inusitado à solitude e ao contato transcendental que este caminho e meta me fizeram. Acolhendo medos, neuras e etc, despertei às 5:30h da manhã e não mais consegui pregar os olhos... Sem pensar muito, peguei a bicicleta e iniciei o trajeto. Reconhecia que eu mesmo era o meu maior aliado, respeitaria cada uma das minhas limitações e medos, fui investigando as memórias despertadas e a ousadia desta aventura. De um lado da pista, um abismo e do outro, espinhos enormes de cactus parecidos com mandacaru, assim é a vegetação de cerrado dominante em Arraial do Cabo e a meta? Prainhas do Pontal do Atalaia, a desculpa para esta aventura era resgatar meu chapéu e camiseta regata que esqueci por lá, ainda ontem após passarmos o dia todo por lá e sermos os últimos a sair com a meta de assistir ao pôr do sol de lá de cima da montanha. Agora, muita poeira tornava o caminho escorregadio, a primeira subida é a maior e nem ousei subir em cima da bicicleta, ofegante continuei no sobe e desce, sobe e desce...

Curioso... Em cada lugar que ficamos ontem, sempre conferíamos antes de ir embora, dando aquela olhada geral para ver se não esquecíamos nada… Mas eu tinha um palpite, na outra extremidade da praia, onde ficamos por último, tirando algumas fotos, aproveitando que tinha cessado o movimento de aportagem dos barcos que chegavam durante o dia inteiro, cheios de turistas… Lá, onde precisei fazer chichi, talvez neste instante, deixei as peças sobre alguma pedra e na empolgação de subir a montanha de volta a tempo de ver o pôr do sol, talvez não tivesse conferido se esquecia algo antes de partir… Mas a possibilidade de encontrar as peças hoje parecia remota demais para justificar essa pedalada! Maior mesmo era a curiosidades de saber o que significava aquele magnetismo que eu sentia de retornar ali, logo pela manhã, o lugar que chamo de “Portal” do Atalaia! Ah não! Você não precisa ir até Arraial para reconhecer que existem lugares que realmente facilitam um contato sublime com a sua essência, pensou em algum? Eu não estou falando apenas de Igrejas ou templos...

"Descobri que eu tinha trauma e medo"

Enquanto fazia esta pedalada, tinha uma lembrança dolorosa da queda brava que me deixou um mês de castigo na última viagem há 2 anos, [ultima viagem na qual me aventurei a andar muito de bike. Foi em Itajaí, Santa Catarina. Na segunda semana lá, eu e os amigos, Mari e Heitor, tínhamos decidido fazer uma apresentação na Praia, somos todos do teatro, eles são uma dupla musical também, ela canta e ele toca acordeon divinamente, me chamaram para dançar, aceitei o convite meio receoso, sem saber o que eu dançaria ou como, mas disposto a aventura, apesar da timidez e perfeccionismo. Eu nem sonhava que algum tempo depois disso eu faria tantas performances inusitadas de dança aqui no meio da avenida Paulista sob o desafio de, em estado meditativo, me tornar Permeável à vida! Acho que já era a terceira vez que estávamos indo aquela praia durante aquela viagem, mas eles decidiram fazer um caminho diferente, eu tava topando tudo, apenas percebi que o caminho era bem mais logo que os anteriores. Encontramos uma montanha num lugar tão plano como Itajaí! Subimos a pé, carregando as duas bikes, eu sempre dividia uma com a Mari e o violão dela, gostávamos de brincar de pedalar com os pés dela sobre os meus ao pedalar… Cansava menos e criava uma imagem meio bizarra e divertida! Que viagem divertida e louca! Ao chegar lá em cima, vimos que era uma pista de carro e, analítico, percebi que não era adequado para pedalarmos ali e comentei, nisso o Heitor comentou: “Se cairmos, do chão não passa!”! Ai! Esses arianos, viu! Talvez a gente tenha se atraído porque me me faltava mesmo um pouco desta ousadia deles e a eles um pouquinho da minha prudência, mas só um pouquinho, por que eles são tão lindos assim! E lá vamos nós, descendo a montanha, a Mari na minha garupa e começamos a cantar e aumentar a velocidade proporcionalmente,,. Talvez o nosso peso ajudava na aceleração, eu estava bem atento à pista e parecia bem tranquila: “Mandacaru quando fura lá na seca é um sinal….”, começaram a cantar os dois, eu ainda um pouco tenso e concentrado na descida, os freios das bicicletas em Santa Catarina são diferenciados, não ficam no guidão, mas sim nos pedais dos pés, você tem que pisar para trás para frear, coisa mais estranha! Comecei a sentir a adrenalina da velocidade e cantei também: “Ela só quer, só pensa em namorar...” Menos de 5min durou nossa aventura, ao ver a esquina se aproximando, eu fui freando devagar, bem antes de chegar perto dela… De repente, Tack! O freio do pedal ficou bobo! E a velocidade começou a aumentar justo agora que estávamos chegando mais perto da esquina e poderia vir um carro… Por impulso, pisei no chão para tentar frear, nosso peso era muito e meu pé virou com o alto do pé para o asfalto, de chinelo, minha pele foi se gastando no asfalto, e tenho essas lindas cicatrizes até hoje! Ainda sem sentir esta dor, eu tentava equilibrar a bicicleta que foi vacilando, até que, mesmo já quase parando, caímos os dois bem na esquina! O Heitor vinha atrás e filmando a descida com o celular! Perguntou se a gente estava bem. Anestesiado, me levantei, corri para levantar a Mari que caiu mais para dentro da pista e só então vi meus machucados, com aquela cor esbranquiçada da camada interior da pele exposta e as gotinhas vermelhas brotando. Eu ainda estava disposto a seguirmos para a praia até que comecei a sentir a dor! A Mari foi quem teve um surto de lucidez e decidiu que teríamos que pedir ajuda em algum lugar para, pelo menos, lavarmos as escoriações. Apesar dos machucados e de ter ficado com infecção, febre e etc. na semana seguinte a da queda, além de um longo mês sem poder calçar sapatos ou usar calças por causa dos machucados, me lembro com carinho desta aventura específica! Me lembro de ficar negociando com o meu próprio lado censurador que queria me culpar por aquelas consequência, mas perdurava a presença dos amigos, a importância de também não planejar e correr riscos (não irresponsavelmente é claro, aliás prestar atenção à linha tênue que separa um do outro), os aprendizados que ficaram por muito tempo me visitando...

Hoje o pretexto era resgatar minha regata e o meu chapéu que esqueci lá ontem no Pontal do Atalaia, talvez nas pedras, mas eu sabia que era muito mais do que isso! É, era um convite! Eu tinha dormido apenas 3:40h de sono por que quisemos aproveitar nossa última noite em Arraial. Geralmente eu tiraria uma soneca logo depois de despertar e perderia a hora (risos), não me obriguei a nada, mas eu sentia um chamado... Ainda na ida, passada a ladeira principal, percorri o sobe e desce com muita calma e atenção, sempre descendo da bicicleta nas outras ladeirinhas muito íngremes ou nas temidas descidinhas. Os freios estavam ótimos, o frio na barriga aparecia de vez em quando, mas o êxtase da beleza do lugar era maior e me incentivava a degustar cada pedacinho do caminho. Pleno de dilatação sensorial, eu analisava como se estivesse dentro e fora de mim, cada medo, cada empolgação, cada autocobrança, cada gratidão, cada memória que despontava entre o prazer de estar… Foi difícil admitir o que eu estava percebendo ali, sim eu tinha ficado com muito medo de andar de bicicleta e era a primeira vez que eu estava me dando conta disso, às vezes brotava uma auto cobrança de superação, mas eu sentia que o movimento ali deveria ser orgânico. Além de tudo, parece que eu estava aprendendo a transmutar uma memória traumática de queda e dor... E era preciso deixá-la vir a tona sim. Quantas vezes não é exatamente isso o que precisamos fazer na vida? As memórias não podem ser apagadas, quando reprimidas ou ignoradas, elas se vingam indiretamente, mas elas podem ser ressignificadas! Porém, nem sempre nos damos conta ou admitimos que certos traumas ou memórias dolorosas ficaram incrustadas em nosso subconsciente… Às vezes não é simplesmente uma memória de queda de bike aguardando o nosso olhar para enfim ser acolhida e ressignificada...

Eu tinha que estar de volta ao hostel antes das 8h pois era nosso último dia da viagem e tínhamos um passeio de barco programado. Ufa! Já estou passando pela casa do Alan, um morador daqui que eu conheci na primeira vez que vim à Arraial em dezembro de 2016, também foi a minha primeira viagem sozinho, naquela vez tomei uma caipirinha no seu descolado quiosque, na Praia Grande, ele apareceu ontem de manhã na estrada enquanto caminhávamos sob o sol quente, eu e a minha amiga Marjorie, rumo às prainhas, ele nos deu uma carona até a altura da sua casa que fica bem no caminho. Pensei em usar a trilha para a Praia do Anjos que ele nos ensinou quando eu retornasse hoje.

A Grande Visão

De repente, cheguei aos pneus pintados que demarcam a entrada oculta da outra trilha que dá acesso às Prainhas, esta nós descobrimos ontem, é uma trilha segura, acimentada, porém mais fechada e não tão bela quanto às famigeradas escadarias de madeira, onde todos querem uma foto! Desci toda a trilha em cerca de 3min! Corri muito… E ao me deparar com o mar ainda emoldurado pelos gravetos da mata (tem uma foto aqui), quase caí para trás! Nunca imaginei que o que já é belo poderia ser ainda mais! O sol da manhã acertava de viés as ondulações e aquele azul turquesa inarrável das águas de Arraial tinham um brilho que parecia mágica! Reluzia sedutor e ao mesmo tempo transcendental, divino… Lá aguardei uns minutos assimilando toda aquela beleza, toda a paz e acolhimento que eu sentia se espalharem por todas minhas células, sem precisar nem sequer entrar na água… A gratidão brotou em lágrimas sobre os meus olhos e era como se eu visse a entidade feminina das águas afirmar generosamente que sim, tudo aquilo era para mim se eu me permitisse! Toda a glória e abundância suprema, divina que parece algo tão místico e imaterial parecia expresso ali na minha frente! Me senti como um daqueles pescadores seduzidos por sereias em alto mar e cauteloso, é claro, nem planejei entrar nas águas, era o suficiente para mim receber agora toda aquela confirmação do chamado, e registrar no meu coração aquele presente inestimável… Outra vez senti o desejo de cuidar daquele lugar, de talvez tentar expressar de algum jeito, todo o amor e gratidão que ele me despertava, principalmente à Deus, o criador e a minha existência nessa vida… Esse também é o motivo deste texto que agora escrevo. Aquele lugar tinha que me mostrar sua glória naquele horário, às 6h da manhã sem as multidões de gente, eu tinha que ir até lá sozinho para atender a este convite especial...

Nem fiquei triste quando não encontrei as minhas coisas sobre a pedra na qual achei que pudessem estar - se eu tivesse sorte. Pouco me importava o chapéu ou a minha blusa que não achei! Percebi que tinha pouco tempo e deveria voltar logo. Percorri as pedras pelas quais achei que pudesse ter esquecido, ventava muito, calculei a direção do vento e da maré para tentar descobrir onde poderiam ter levado minhas peças… Mas no fundo também senti que aceitaria deixá-los ali como uma espécie de “presente”, ah não! Na verdade, seria uma poluição ao meio ambiente…

Começava a surgir alguns movimentos de pessoas pela praia, alguns barquinhos ancoram, um casal passeando pela orla, alguém faz uma corrida…. Filmei, tirei fotos e ao sentir que o meu tempo se esgotava, senti um impulso de percorrer até a outra ponta da praia, para apreciar uma última vez o estreito de pedras que emoldurava uma bela visão mar, local muito concorrido para fotos no dia anterior…. Mas ao chegar lá, a maré estava alta, notei lixo pelas pedras, lembrei do comentário de uma moça moradora de Arraial no meu antigo vídeo que bombou no Youtube, chateada com o lixo que os turistas deixam na praia após saírem de lá deslumbrados com a beleza e verbalizando amor pelo local... Triste! Refleti muito sobre isso. Repassei na minha mente aquela velha frase: “Duvido que façam isso em suas casas” e em seguida veio a resposta, “fazem sim!” Eu mesmo faço também. É duro admitir… Poluímos constantemente nossa própria casa sim, e pior, poluímos a nossa casa ainda mais íntima: o nosso corpo! Opa! Mas afinal tudo não é a nossa casa? De novo aquela máxima do autoamor me fez sentido, quando nos amamos, amamos maio o outro, cuidamos mais genuinamente do nosso corpo (não pelo status ou qualquer idealismo) e cuidamos do nosso planeta, somos mais gratos, pois compreendemos que o planeta também sou eu. Filmei, catei alguns lixos, quando, de repente, vi reluzir uma cor azul entre as pedras! Lá no local onde tínhamos deixado nossas coisas no dia anterior!

Sim, achei quando "desisti"! Achei, enquanto aproveitava a "Caminhada". Comemorei, celebrei e só então, me dei conta que estava em jejum e com fome, morrendo de sede, sem água e uma jornada de 4km me aguardava agora com o sol todo erguido! Caminhei pela Praia, catando mais alguns lixos, investigando se havia algum vestígio de vendedores nas barraquinhas fechadas e de repente, me deparo com uma garrafa de água lacrada perdida no chão, verifiquei o lacre e data de validade. Eu sei que parece mentira! E vou entender se você não acreditar! Risos. Experimentei meio duvidoso e degustei toda aquela água... Até eu achei difícil acreditar! Mas assim foi...

Todas são fotos de celular, feitas durante a grande pedalada:

Sagrada Água! Provisão...

Eu e a Verônica estamos estranhos, era pra ser aquele salto bonito na foto! (Itajaí, SC, 2016)

Em Itajaí, SC com os amigos no réveillon de 2015 para 16.

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Em breve teremos um vídeo desta viagem também!

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